domingo, 8 de novembro de 2020

Uma equação de fé, no teu peito.

 

O fim de tarde, minha querida.

A cidade vomita palavras abstractas que só a tempestade sabe prenunciar.

As flores poisadas na tua lápide parecem lágrimas de pássaros esquecidos nas árvores de ontem,

Procuro por um corpo, nada encontro e, apenas uma esquina de luz, longe, bem longe, acorda das sombras onde te deitas.

Vai distante o teu olhar de bom dia pela manhã,

Erguem-se as abelhas da colmeia colorida pelo silêncio da despedida,

Um SIM, um NÃO, ou… um apenas talvez,

Se deita no teu peito.

Visito-te todos os dias,

Conversamos,

Falamos sobre poesia,

Pintura,

Falamos das tardes inquietas de Luanda… ao final do dia.

Nada me falta, minha querida.

Tenho tudo e, nada tenho.

Não me apetece abrir a ponta de entrada, para este cubículo desorganizado, entre livros e rochedos, mesmo assim, nunca consegui, depois de te despedires de mim, olhar o mar.

Abro a janela, o mar longínquo deseja-me como um louco e, ainda hoje, minha querida, tenho medo da (lhá).

Um pilar de areia cai sobre a calçada.

Lágrimas de papel vivem disfarçadas no teu rosto; hoje, não choras.

O sangue invisível que corria nas tuas veias, hoje, é apenas uma fina lagoa azul suspensa na tarde, nada mais, minha querida, nada mais…

Hoje és apenas uma equação de fé que deambula pela casa descalça;

O medo.

Amanhã, quem sabe, “O fim de tarde, minha querida”.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/11/2020

 

A morte é uma merda, companheiro. Perdi o pai, perdi a mãe e, qualquer dia, talvez, perco-me a mim. O cancro é uma merda, companheiro. Só se fala no COVID-19 e esquecem-se os filhos do cancro, sabes, companheiro, a vida é uma merda. Aqueles filhos, filhas, pai, mãe, marido, mulher e tantos outros que se perderam nos túneis do cancro, mas claro, o COVD-19 é mais importante…

Perdi o pai, perdi a mãe e, hoje já não choro, às vezes grito, em silêncio, mas não choro. Sabes companheiro, tinha apoio psicológico por ter perdido os pais em quatro anos por cancro, mas com a pandemia, deixei de o ter; o COVID-19 é mais importante do que o resto.

Perdi o pai, perdi a mãe, mas hoje, hoje não choro.

A vida é uma merda, companheiro, às vezes todas as flores do no nosso jardim são estúpidas, são nocturnas cidades em cio e, mesmo assim, gosto delas. O Sal que alimenta a ferida do cansaço, os incêndios entre palavras que consomem resmas de papel higiénico e, dou-me conta que todos os meus livros apena servem para limpar o cu dos meninos crescidos à beira de sanzala de prata: a chuva miudinha das marés, o corpo envelhece no falso oiro, como mandibula açucaradas junto a um precipício, também ele, quase sempre, cansado de viver entre quatro paredes.

O cancro, companheiro, a morte, companheiro, são uma merda.

 

 

Francisco Luís Fontinha

08/11/2020

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Saudades de uma (lhá) envenenada

 

Dizem que ela nasceu nas florestas invisíveis do sono.

Alimenta-se das sombras sobejantes da insónia e,

Quando acorda o Sol,

Dorme como a Princesa das amoreiras em flor.

O amor,

Meu amor,

Tardes ínsitas das esplanadas chuvosas,

Cartas em despedida, quando um perplexo suicídio, desce a montanha,

Abraça-se ao mar e,

Flutua como uma jangada de beijos.

As palavras ao canto da boca,

O cigarro minguo entre os dedos de fumo,

Ele, acabrunhado, entre gritos e silêncios, chama por todas as cartas escritas.

Ela, habitante de todas as florestas invisíveis do sono, aguarda pelo regresso da maré.

Os barcos, meu amor,

Trazem-nos o vento que alimenta o nosso jardim,

Brincam os pássaros de papel colorido,

No pavimento, meninos de ninguém, procuram as planícies dos musseques perdidos,

Uma lágrima, de prata envenenada, entra no peito dela, como uma lança de desejo;

Todas as flores que amamos, todas as paisagens onde caminhamos, são glândulas de sono, na derradeira íngreme eira de Carvalhais.

O avô é sincero, honesto nas palavras e nos afectos,

Recordo um machimbombo envelhecido brincando nas ruas de Luanda antiga,

Descia a Mutamba… e,

Hoje é apenas um pedaço de tecido na minha mão.

Ho meu querido pai!

As saudades dos barcos,

Eu menino, suspenso na tua mão, olhando o Mussulo;

Queria agora, hoje, aqui, que a mãe me explicasse o que era a (lhá) e,

Só hoje percebi, tantos anos depois, que (lhá) era apenas a linda água do mar.

Sabes, meu amor, o pai, a mãe, são retractos do menino esquecido nos calções.

(Dizem que ela nasceu nas florestas invisíveis do sono.

Alimenta-se das sombras sobejantes da insónia e,

Quando acorda o Sol,

Dorme como a Princesa das amoreiras em flor.

O amor,

Meu amor).

 

 

Francisco Luís Fontinha - Alijó, 05/11/2020

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Do meu jardim

 

Sabes, meu amor, as rosas também se comem

(as de papel, as rosas de açúcar e as rosas de sombra).

As rosas são palavras que dormem no meu jardim imaginário,

Tem pássaros, o meu jardim, tem livros, o meu jardim e, tem roas, o meu jardim.

O meu jardim é a minha casa e,

A minha casa, são os teus lábios de amêndoa doirada,

Suspensos na infinita luz, das lágrimas, das rosas, do meu jardim.

Sabes, meu amor,

Hoje escrevi uma carta aos pássaros do meu jardim,

Os mesmos, que há pouco viviam abraçados às rosas, do meu jardim.

O meu jardim, meu amor, tem uma janela virada para o mar,

O mar, meu amor, que beijas antes de adormecer e,

Me envias em sonhos, todas as noites, debaixo das estrelas que cobrem o meu jardim.

Amanhã, não sei se tenho o meu jardim,

(porque as rosas podem não acordar) e,

A janela do meu jardim, virada para o mar,

Pode, no entanto, amanhã, também ela, não acordar.

E, e se eu não acordar, como as rosas do meu jardim?

Ai meu amor, com é bom ter um jardim,

Rosas para cheirar… e,

Os teus lábios para beijar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó, 03/11/2020

domingo, 4 de outubro de 2020

Menina da alvorada

 

Todos os rios são azuis, depois de acordarem.

Todas as flores são de papel, depois de dormirem,

Como eu, o poeta das palavras mortas,

O poeta das equações cansadas,

Que vivem neste jardim.

Perco-me nos teus olhos,

Menina canção da alvorada,

Espelho envelhecido que se passeia pela manhã,

Com sono,

Sem sono,

Aproximadamente, durante três segundos de vida.

Esqueço-me de ti, dentro deste caderno prateado,

Das palavras as grades desta prisão,

Coração esgotado,

Nas lágrimas ensonadas do Luar.

Menina da alvorada,

Cidade perdida na tua mão,

Canção aos molhos,

Pedra lápide nome meu,

Fotografia desnecessária,

Foguete, avião…

Nas cinzas do suicídio.

O medo.

Furacão invisível do teu olhar,

Boca enorme, olhos esbugalhados pelo incenso amor…

Depois da tarde,

Neste silêncio de medo.

Vem a triste solidão,

Traz as equações do sono,

Algoritmos embrulhado em jornais,

Onde notícias más,

Abraçam conservas ruins,

Tudo pára; STOP, meu amor.

A carta vaidade das palavras,

Os fósforos invisíveis da morte,

Na palma de uma rosa,

Sem nome,

Com nome;

Isto é uma tarde de Outono.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó-04/10/2020

sábado, 19 de setembro de 2020

Das palavras

 

As palavras, meu amor,

São sonhos infinitos do meu jardim,

São lágrimas,

São sombras,

Nas palavras, o teu beijo,

Das palavras, sorrisos de mim.

Ai estas palavras, as que escondo e não te escrevo,

As palavras em segredo,

Quando na montanha, essas palavras,

Gritam com medo.

Há palavras azuis,

Palavras transparentes,

Há palavras embrulhadas no vento,

Palavras simples,

Honestas, palavras com sofrimento.

As palavras, meu amor,

São rosas em papel,

São luar,

São abstractos abraços,

São a preia-mar.

As palavras, meu amor,

São dardos envenenados pelo silêncio,

Que no peito, das palavras,

Incendeiam os teus olhos.

As palavras, estas,

São cartas entre palavras,

São canção,

Jangadas,

São as palavras, todas,

Nas palavras rejeitadas.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó, 19/09/2020

terça-feira, 8 de setembro de 2020

A velha cidade da saudade

 

Sento-me.

Nesta pedra cansada, o tempo voa,

Bate, hoje, a saudade.

Sento-me. Sei que o fumo do meu cigarro

Vai em direcção ao mar, onde brincas,

Nas cinzas da saudade.

O regresso.

A viagem sem destino, partida-chegada,

Embarque de transeuntes envenenados pela saudade,

Como tu,

Como eu; ausentes.

O teu nome escrito na pedra,

Onde me sento,

Me deito,

Nas pálpebras da janela do quarto.

Horário morto,

Cadáver saqueado pelo tempo,

Cintilações de prata,

Na algibeira,

O sem-abrigo,

Na madrugada,

Suspenso pelo pescoço,

E, sem cabeça.

Deus. Vem em tua ausência,

Da boca a flor madrugada,

Sem palavra,

Sem nada.

A grava. Torta.

O casaco roto, magoado pelo silêncio adormecer,

Quando as nuvens se recolhem na tua mão,

Quando todos os alicerces da cidade,

Ardem; e o tempo nunca esquece a saudade.

A vaidade. Palavras escritas sobre a lápide de mármore,

Dizeres que só eu percebo,

Os escrevi, desenhei no teu peito

O cabelo desorganizado, triste, cansado.

No amor, a saudade.

Vive-se assim, aqui…

No ontem,

Hoje.

Amanhã. Dia triste para recordar mortos,

Cabeças,

Trapos.

Vive-se, assim, aos poucos, nesta velha cidade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 08-09-2020