O
inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu corpo o cheiro a
enxofre e a gajas nuas,
Menos
tabaco nesses cigarros…, gajas no inferno?
E
canteiros recheados de malmequeres, crisântemos e orquídeas selvagens,
imperfeito, o vidro estilhaçava-se, ficou sem cabeça, ficou sem coração, e
ficou com o medo misturado nos óbitos grãos de areia, ainda hoje acredito que
um objecto depois de crucificado… permaneça o mesmo objecto, mas com formas e
cheiros e desenhos…
Menos
tabaco, amigo, menos tabaco,
Diferentes,
tornam-se ausentes, tornam-se miúdos brincando no musseque, os charcos, o capim
descendo a rabina, o miúdo do bibe acreditava na liberdade, e é tão difícil ser-se
livre nesse País, tão difícil meu pai, tu sabes
Menos
tabaco, menos,
Tu
sabes que vivi encerrado entre quatro paredes invisíveis, tu sabes que vivi
entre três janelas sem vista para o mar, mas sentia-o no meu quarto,
Lembras-te,
filho? Os Domingos junto ao Porto e os barcos pareciam cancelas suspensas na
madrugada, lembras-te, filho? Os Coqueiros, as gaivotas comendo os Coqueiros, e
tudo apenas imagens a preto e branco do meu imaginário, porque, meu filho
Sim,
pai?
Lembras-te
do Mussulo?
Sim,
pai, sim… a areia recheada de lençóis brancos, a poeira do cansaço vomitando
languidas lâminas de azoto, e depois, e depois regressava a noite, dormias,
sonhavas, gritavas… e eu, eu sem dormir, comer,
Ao
longe, meu amigo, ao longe o inferno, as gajas, as nuas gajas junto à porta do
inferno,
Louco,
menos tabaco nesses cigarros, menos,
Ao
longe a agonia do fim de tarde agachado em cima de um telhado em zinco abraçado
a um livro, não sabia ler ainda, mas lia-o, absorvia-o, como hoje o faço, e não
sabia ler ainda,
E
tu, pai, e tu emprestavas-me os teus livros, e eu, eu dilacerava-me com o
cheiro do papel, com as letras, com as imagens, com as tuas palavras “estes livros
não são para a tua idade” como se houvesse idade para se manusear e cheirar e “foder”
um livro… vigava-me, riscava-os, tal como as paredes do corredor, riscos,
riscos, um livro entre gemidos, um livro em pleno orgasmo…
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…
Desaparecem
todas as palavras, o inferno estava próximo, do corredor entranhava-se no meu
corpo o cheiro a enxofre e a gajas nuas, pensei (estou em cais do Sodré) não,
não estava, nunca lá estive e nego-o, absolutamente,
Menos
tabacos nesses cigarros, menos
Aproximava-me,
lentamente a minha verticalidade diminuía, sentia-me um miúdo de bibe gritando,
berrando, “fodendo” livros com uma caneta de tinta permanente, e nada, até
hoje, nada, morreu ele, morri eu, morremos todos.
(ficção)
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira,
20 de Outubro de 2015