segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Tempestades de luar


O medo ejacular das tempestades de luar,
há nesse cansaço de amar uma velha equação,
um caderno quadriculado que alguém esqueceu no amanhecer,
há no teu sémen a estátua das palavras por escrever,
que se afogam no coração...
que não sentem a noite crescer, e há no teu olhar,
o finíssimo papel de acreditar... não havendo nuvens de brincar,
o medo afaga os teus inexistentes cabelos de arame farpado,
como uma jangada apodrecida num velho telhado,
e sem o saberes... vives esquecendo,
não viver, não vivendo...
a madrugada de sorrir,

Sonhas como sonham os homens de esqueleto em veludo,
não dormes,
não comes...
sonhas com planícies recheadas de crianças,
inventas baloiços na sombra das árvores...
e escondes dentro de ti... as lembranças,

Sabes que vais partir,

O medo ejacular das tempestades de luar,
a fogueira da paixão imune aos silêncios de prata,
o navio que te transporta... aportado num bairro em lata,
achatado,
mal iluminado,
tão triste como os teus braços de amendoeira doente...
poisam em ti as abelhas sílabas dos infernos ilimitados,
gritas,
e gritas... gritas através dos vidros laminados,
gritas...
“coitados”...
acorrentados à voz que lhes mente.



Francisco Luís Fontinha
Segunda-feira, 20 de Outubro de 2014

domingo, 19 de outubro de 2014

Balas de prata...


Há uma bala disfarçada de palavra
alojada no meu peito,
há uma jangada de geada voando sobre os teus seios,
Há um muro impossível de galgar,
Há no teu olhar a tristeza dos montes inanimados,
palavras,
balas de prata...
cachimbos despedaçados descendo a montanha,
Há uma bala amiga que me alimenta e adormece,
há uma cama clandestina prisioneira nas sanzalas com miúdos brincando,
cachimbos, e balas de prata...
me dizendo...
que há um jardim desenhado nas amoreiras da manhã,
enquanto eu fumando... me esqueço das teus lábios me beijando!


Francisco Luís Fontinha
Domingo, 19 de Outubro de 2014

Invisível luar


Os quatro círculos de luz que envenenam o teu olhar
na geometria apátrida dos teus lábios,
a brancura da montanha sem coração...

O teu corpo em chamas funde-se nos silêncios cansados da tarde,
tens nas mãos os trémulos compassos do sofrimento,
gemes,
e inventas imagens no invisível luar,

Há um pássaro vestido de papel que te incendeia,
tu, tu ignoras os horários marinhos,
tu, tu ignoras os calendários sem quadrados nas semanas que alguém constrói só para ti...
finges estar sentado no cadeirão de sombras como se fosses uma pedra sem lei,
tens na boca a amargura da dor,
e do teu corpo em chamas...
a madrugada que nunca mais cresce,
e desaparece como uma tempestade de néones sobre a cidade...

Os quatro círculos de luz... um dia extinguir-se-ão como os vidros da tua alma,
um caixote de iões envolverá os teus cabelos,
e a brancura da montanha sem coração... será o abismo das palavras prometidas...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Outubro de 2014

sábado, 18 de outubro de 2014

As sombras do teu olhar


Esqueces-me como se eu fosse um papiro em combustão,
um corpo suspenso na fogueira da madrugada,
sinto-te dentro de mim,
afogada nas minhas lágrimas,
alicerças-te aos meus braços de madeira prensada,
és o espinho volátil do derradeiro amanhecer,
a válvula incandescente dos meus sonhos...
na esplanada da solidão,

Esqueces-me desde a noite preenchida com quadriculadas manhãs invisíveis,
dizias-me que nunca terminaria a luz dos olhos verdes,
e eles, morreram, morreram como morrem as andorinhas,
como morrem as árvores sonâmbulas dos cinzentos planetas,

Hoje sei que sou um cansado verme de pano,
uma caneta de tinta permanente que derrama sangue em vez de palavras...

Os cinzeiros do adeus mergulhados nas planícies coloridas de amar,

Esqueces-me como se eu pertencesse aos cadernos negros,
aqueles onde escrevia poemas parvos,
textos esmiuçados com sabor a Primavera,
sinto-te dentro de mim,
e não consigo assassinar-te,
viverás como uma prisioneira...
e eu, e eu que constantemente me esforço para te libertar...
e gritar,

Só, só me alimento das triste sombras do teu olhar!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 18 de Outubro de 2014

Morte inventada


A morte inventada pela dimensão do infinito,
a equação do desespero cansa-se dos meus braços,
alicerça-se na geada cinzenta dos hospícios sem janelas,
a morte cintila no tecto da solidão...
e o rio me come,
e o rio me leva... e não voltarei aos fios de nylon da cidade,
o livro de ti, arde,
e das lâmpadas do abismo... filamentos de sangue em construção,
o navio solitário escreve-se e silencia-se na montanha de uma fotografia,
há no teu olhar a neblina do pastor sem solução,
há nos teus lábios os secretos sonhos do perdão...
e não conseguirei alcançar as tuas pálpebras de anelar sombra com odor a cansaço...
morrerei como um pássaro,
a morte não sabe...
que os suspiros da hipnose madeira fantasma... flutua nas plumas de uma bailarina,
partirei,
partirei como um veleiro sem velas,
disfarçado de homem...
com uma gaivota no meu coração.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 18 de Outubro de 2014

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Enigma dos oceanos de cartão


O triste enigma dos oceanos de cartão,
o vulcão da saudade mergulhado numa áspera lâmina de solidão,
espera-se o regresso, e o viajante sem destino... nos aplausos do silêncio,
há um circo de esperança rodopiando sob o tecto de lona da insónia,
pergunto-me porque choram as árvores de papel,
percebermos que há no seu coração uma enxada de silício,
uma roda dentada em putrefacção, perdidamente... percebermos a sinfonia dos horários obscuros,
há um Deus com esqueleto de xisto...
e de socalco em socalco,
desassossegado... suspensas as mãos em corpos de espuma, grita comigo,
absorve-me como se eu fosse um travestido cansaço com dentes de marfim,
no telhado de uma camponesa com saliva nas pálpebras,
sei que há na cidade dos pequenos charcos de doirado sangue,
uma menina com duas rectas paralelas procurando o infinito,
e sinto,
o pulsar das laranjas rochedos abaixo,
alguém escreve nos meus braços os rancores de uma tarde inexistente,
uma carta secreta com desenhos abstractos... ainda permanece na minha algibeira,
existe nela um estranho perfume com odor a dor,
o viajante desalojado carrega os livros do sofrimento,
entra num bar, senta-se... senta-se à minha frente e dou-me conta que ele é apenas um espelho fusco, negro... alguém escolhido pelo comandante do navio das indolores pinturas.... diz que me ama,
não amo, não quero amar... e não desejo que me amem,
preciso de fugir desta sanzala com olhos de incenso,
deitar-me dentro do vulcão da saudade, sentindo nas minhas veias o palpitar dos azulejos pintados à mão,
tenho medo de ti quando entras no meu quarto e me perguntas pelos malmequeres,
e não tenho coragem de dizer-te que os perdi, destruí-os pensando que eram soníferos indefesos,
pensando que eram apenas sombras de água...
como tens passado, enigma dos oceanos de cartão?



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 17 de Outubro de 2014

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Canção suicida


Há na madrugada uma canção suicida,
alimenta-se de palavras,
respira insónia e transpira solidão...
há no teu olhar uma triste noite de viver,
que te embriaga como se fosses um marinheiro cansado de aportar,
como se fosses um esqueleto de morrer...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 17 de Outubro de 2014