- Não sei, não sei
diluídas as imagens que
das tuas mãos semeavam nas planícies mentais e longínquas dos
oceanos de brincar as palavras murchas que o tempo engolia juntamente
com o relógio em forma de cuco suspenso na parede velha da sala de
jantar, não dormia, alimentava-me de sorrisos e coisas poucas que me
traziam da cidade em ruínas, mãe tão feliz se o mundo terminasse
dia 21 de Dezembro, sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e
de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último
pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti,
tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, Falta
muito?, Estamos quase, dois ou três quilómetros entre o coração
do Douro
- e as imagens a preto e
branco que
o Outono tecia os
cortinados que cobriam os socalcos antes da tarde se extinguir num
pequeno gemido de luz, curvas, curvas e carris desencontrados até
nos perdermos nos paralelepípedos que a morte tinha reservado para
nós,
- não sei, não sei se
conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos dentro do meu corpo
empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das barbas brancas com
uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos olhos o fumo
circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no perfume
invisível do rio Douro
estamos quase mãe,
- não sei, não sei,
uma chuva miudinha de
pedras começou a diluir-se nas fotografias que das tuas mãos
semeavam nas planícies mentais e longínquas dos oceanos de brincar
- não sei, não sei mãe
tão feliz se o mundo terminasse dia 21 de Dezembro, sentava-me no
ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e
esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os
meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que
não vais regressar, e tu,
nunca regressavas,
estamos quase mãe, depois daquela curva lá ao fundo vês? É ali, É
ali, E tão longe dizias-me mentalmente quando me olhavas, não sei,
não sei,
as torres de cartolina
que tardes inteiras desenhavas e cortavas com a tesoura de costura
lamentavelmente moribunda, com ferrugem como os barcos que ele me
levava aos Domingos em visitas rápidas à enfermaria, coitados,
coitados, não sei, não sei, eles tão tristes, com lágrimas nos
olhos,
- e tu caminhavas
asperamente de cortinado em cortinado, e tu, e tu de janela em
janela, chamavas-me, gritavas-me, Falta muito?, Não, não sei, não
sei, não sei se conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos
dentro do meu corpo empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das
barbas brancas com uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos
olhos o fumo circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no
perfume invisível do rio Douro
as torres tombavam nos
braços dos plátanos,
- o Douro abandonava-nos
a cada dia que passava, e as fotografias onde aparecias travestida de
sombras com plumas e lantejoulas tremiam na geada solitária das
noites que só o inverno consegue imaginar, não tínhamos lareira, e
obrigavas-me a aquecer as mãos na velha torradeira que trouxemos de
Luanda, nada mais sobrou de nós, não sei, não sei
sentava-me no ritz club,
embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava
até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus
ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não
vais regressar, Falta muito?
- e respondia
não sei, não sei mãe.
(texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha