sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Os guindastes húmidos da paixão


Acordando as sílabas dilatadas que das árvores de deus
descem melancolicamente os guindastes húmidos da paixão
há uma janela em desejo
que uma abelha pintada de vermelho atormenta
quando a insónia do crucifixo de prata
entra no corpo cansado do jovem com olhos de luar
há um corpo dentro do corpo do jovem
com olhos de luar
há uma janela
uma abelha
um silêncio de luz
nas paredes frias dos teus lábios ensonados,

acordando sílabas
enquanto a noite desenha em ti os fluídos da astronomia
dilatadas que das árvores de deus
há uma janela com acesso ao sótão do medo
há coisas nas mãos do medo
que eu tenho medo de prenunciar
gritar
escrever nas paredes invisíveis do quarto escuro com tecto de vidro
falsamente ignorados pelo jovem dos olhos de luar
acorrentados
todos
todas,

há ou não há não sei uma canção com sorrisos de leite
e mãos calejadas
que os montículos de lixo argamassaram nos calções de uma carta de amor
há ou não há
vai havendo rabanadas
gaivotas
e barcos travestidos de maré com cabelos de espuma em brando lume
a lareira
o ciúme
não há
vai havendo suspiros de iodo embrulhados em papel de chocolate.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Nos braços dos plátanos as torres de cartolina

- Não sei, não sei

diluídas as imagens que das tuas mãos semeavam nas planícies mentais e longínquas dos oceanos de brincar as palavras murchas que o tempo engolia juntamente com o relógio em forma de cuco suspenso na parede velha da sala de jantar, não dormia, alimentava-me de sorrisos e coisas poucas que me traziam da cidade em ruínas, mãe tão feliz se o mundo terminasse dia 21 de Dezembro, sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, Falta muito?, Estamos quase, dois ou três quilómetros entre o coração do Douro

- e as imagens a preto e branco que

o Outono tecia os cortinados que cobriam os socalcos antes da tarde se extinguir num pequeno gemido de luz, curvas, curvas e carris desencontrados até nos perdermos nos paralelepípedos que a morte tinha reservado para nós,

- não sei, não sei se conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos dentro do meu corpo empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das barbas brancas com uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos olhos o fumo circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no perfume invisível do rio Douro

estamos quase mãe,

- não sei, não sei,

uma chuva miudinha de pedras começou a diluir-se nas fotografias que das tuas mãos semeavam nas planícies mentais e longínquas dos oceanos de brincar

- não sei, não sei mãe tão feliz se o mundo terminasse dia 21 de Dezembro, sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, e tu,

nunca regressavas, estamos quase mãe, depois daquela curva lá ao fundo vês? É ali, É ali, E tão longe dizias-me mentalmente quando me olhavas, não sei, não sei,
as torres de cartolina que tardes inteiras desenhavas e cortavas com a tesoura de costura lamentavelmente moribunda, com ferrugem como os barcos que ele me levava aos Domingos em visitas rápidas à enfermaria, coitados, coitados, não sei, não sei, eles tão tristes, com lágrimas nos olhos,

- e tu caminhavas asperamente de cortinado em cortinado, e tu, e tu de janela em janela, chamavas-me, gritavas-me, Falta muito?, Não, não sei, não sei, não sei se conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos dentro do meu corpo empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das barbas brancas com uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos olhos o fumo circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no perfume invisível do rio Douro

as torres tombavam nos braços dos plátanos,

- o Douro abandonava-nos a cada dia que passava, e as fotografias onde aparecias travestida de sombras com plumas e lantejoulas tremiam na geada solitária das noites que só o inverno consegue imaginar, não tínhamos lareira, e obrigavas-me a aquecer as mãos na velha torradeira que trouxemos de Luanda, nada mais sobrou de nós, não sei, não sei

sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, Falta muito?

- e respondia

não sei, não sei mãe.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

O mar das palavras de sofrer


Eu quero corre sobre o mar
até longe longe longe sem parar
eu quero correr
correr sem me magoar
não correr por correr
eu quero andar
caminhar
sem sofrer

correr
correr
correr sem parar
correr
correr e amar
as palavras

poucas
muitas
apenas palavras
de amar
de sofrer
palavra que o vento leva e deixa cair sobre o mar

eu quero correr
correr
correr até me cansar...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Grades de vidro inverno o sabor da paixão


Inventas beijos
nos lençóis da lua
há cigarros perfeitamente inocentes
nos lábios da noite,

há uma janela com grandes de vidro
que transforma o fumo dos teus cigarros perfeitamente inocentes
em sílabas de iodo
inventas beijos
desejos
abraços
e a lua tão bela
e a lua
enrolada nos teus braços
nua
ela
toda tua,

inventas o amor
e desenhas no soalho de inverno o sabor da paixão
ela
nua
à lareira
há uma lareira na tua mão
que aquece a lua
a tua lua
o teu coração
havia
nua
uma janela com grades de vidro e sonhos de solidão.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

As veias que não tenho medo de quê?


As veias que não tenho
porque vendi-as para comer
as mãos que me tremem
porque também as vendi
não para comer
apenas porque senti
vontade
desejo
de deixar de escrever
morrer caminhando suavemente sobre a neve invisível
que desce a montanha
as veias que não tenho
e que ninguém amanha
estas palavras poucas
ou loucas
bocas em revolta
que este povo apanha
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
revolta-te se ainda tens veias
revolta-te se ainda não vendeste as tuas veias
para comer
para escrever
ou simplesmente para amar
mas revolta-te por favor
revolta-te homem do mar...
medo de quê?
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
não há medo que adormeça um homem
não há palavras que acorrentem os braços do homem
que não se deixa adormecer
pelo medo
pela fome
medo de quê?
revolta-te homem.

(não revisto)


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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Segunda-feira

A calçada de ossos levava-a até ao rio dos silêncios, virgulas suspensas nos parágrafos incompletos que a vida vai escrevendo nas folhas verdes das árvores, os pássaros dentro da gaiola inventavam círculos de luz até cair a noite nos olivais distantes da cidade, a calçada de ossos

perdidamente apaixonado pelos sonhos coloridos que o vizinho do segundo esquerdo, segunda-feira, que tu desenhavas nos vidros embaciados das janelas anguiformes do húmido edifício, o suor dilúvio que a tarde provocava no peito da paixão deitava-se na cama cansada que o teu corpo habitava, eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

a calçada de ossos, até ao rio dos silêncios, há na morgue literária cadáveres de prostitutas que os poemas comeram antes de serem poemas, quando os poemas não eram poemas, quando os poemas de inverno chamavam-se desejo das palavras, e ele, o poeta, o homem do segundo esquerdo construía, uma por uma, as frases insignificantes de homens que amam as árvores, de homens que amam loucamente os pássaros e os rios e os barcos, de homens, apaixonados pelo vento, verdes árvores e havia sempre uma janela indesejada, aberta, partida, abandonada, e homens que amavam outros homens na clandestinidade dos cacilheiros verdejantes, e afagavam o louco perfume dos sótãos com grandes finíssimas que as aranhas do medo deixavam enrolas nos lençóis do ciúme, e homens como eu que amavam mulheres impossíveis, e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

à espera da tua mão, tocavas-me e eu sentia os princípios elementares da mecânica clássica, pedacinhos de saliva nas equações complexas que nas tuas pálpebras acordavam depois da tarde se esconder no dormitório vazio do edifício semeado segunda-feira na cidade sem que tu, meu poeta, tenhas dado por ele, e ele vivo, lá, lá do outro lado da rua, rouba-nos o sol e o rio, tocavas-me e eu recusava-me a comer a sopa, perdia nos jardins as mãos e dizia-te O menino hoje não mãos, e tu acreditavas, e me olhavas até que o mar começava a correr nos teus olhos e eu sabia que choravas antes dos pássaros às voltas com os círculos de luz, habitava em nós a abelha abandonada, pedias-me e eu dizia-te Hoje não, Hoje não mãos, e a sopa diluía-se como as nuvens cinzentas do mar do amor,

segunda-feira

segundo esquerdo,

segunda-feira morre a paixão e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras.

(ficção não revisto)