sábado, 17 de março de 2012

Em sonhos

E que não
- Preciso de ti Oiço o murmúrio dos seus lábios no meu pescoço,
E que não na roulotte dos sonhos quando os gemidos das palavras voam entre a plateia do circo, o palhaço chora, e das mãos da trapezista Oiço o murmúrio dos teus lábios,
- Precisar de Mim? Ninguém, Ninguém precisa de mim, a não ser
A não ser
Em sonhos,
- A não ser quando descem as gotinhas de silêncio e poisam sobre a débil e cansada roulotte, a minha roulotte, a minha casa, eu, eu deitado sobre nuvens de espuma quando um finíssimo orgasmo de seda cobre a minha boca, e adormeço abraçado ao livro da insónia,
E que não, Porque se o fosse, Porque se o fosse sabia-o, tenho a certeza, tal como tenho a certeza que duas retas paralelas se encontram no infinito, entre Belém e Cascais, os carris dormem, os carris dormem encostados ao Tejo, os cigarros,
- A não ser,
Os cigarros têm o seu encanto, como a noite,
- Que tem a noite?
Insónia e nuvens de espuma e uma trapezista e um palhaço que chora, os cigarros, a não ser, os cigarros evaporam-se no sorriso de duas retas paralelas, os carris acordam e eu, e eu por engano sento-me sobre um barco enferrujado, quase sem cigarros, e eu corro e corro e corro, para quê pergunto-me
- Para quê,
Pergunto-me antes do comboio me engolir e dou-me conta, e quando entro no estômago do comboio dou-me conta que Belém foi um sonho, porque se fosse verdade sabia-o, sabia-o tal como sei que os carris para Cais se encontram no infinito, a não ser
- Que tem a noite,
A não ser quando o jantar se recusa a entrar na minha boca, quase sem cigarros e que não
- Não gosto de raquetes Ouvia-lhe os gemidos na roulotte dos sonhos e o prato em círculos sobre a mesa de inox,
Quase sem cigarros e o professor de Metalurgia Mecânica explicava os aços e as ligas, e o prato em círculos de mão dada aos cigarros
- Quase sem cigarros,
E que não
- Preciso de ti Oiço o murmúrio dos seus lábios no meu pescoço,
E que não na roulotte dos sonhos quando os gemidos das palavras voam entre a plateia do circo, o palhaço chora, e das mãos da trapezista Oiço o murmúrio dos teus lábios, o maldito jantar recusa-se a entrar na minha boca, e o prato em círculos sobre a mesa de inox,
- Precisar de Mim? Ninguém, Ninguém precisa de mim, a não ser
A não ser
Em sonhos,
- A não ser quando o jantar é solha e amanhã novamente solha e solha e raquetes e solha…
Sabia-o se Belém fosse verdade.

(texto de ficção)

Amanhã vou perceber

Amanhã vou perceber
O sorriso das árvores
E as lágrimas das pedras sobre a montanha,
Amanhã,
Amanhã vou voar
Como uma finíssima folha de papel sobre o mar,

E sei, e sei que ninguém me apanha…
E sei,
E sei que o néon da solidão vai morrer
E que dentro de mim,
E que dentro de mim um rio vai nascer
E correr para o mar.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Na cidade

Quando o céu se esconde na montanha
E na cidade
Entre as ruas em ruinas
Uma criança
Uma criança em lágrimas
Um candeeiro plantado no centro do passeio
Descendo a calçada
De olhar vazio
Dentro do rio
Um barco desgovernado
Nos seios da neblina
Quando o céu se esconde na montanha

Quando a noite
(E na cidade
A prostituta cansada
Doente)
Quando a noite dorme profundamente nos seios da neblina
E a prostituta contente
Engata o candeeiro plantado no centro do passeio
Como medo
Sem asseio

E na cidade
A prostituta cansada
Doente
Afaga o cabelo da criança em lágrimas
Procura os cigarros na algibeira
E finge caminhar junto ao mar

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quinta-feira, 15 de março de 2012

Infinitamente azul

Infinitamente azul
O fio de nylon que se alicerça nos teus olhos
A tarde transparente
Suspensa nos teus lábios

Infinitamente azul

A noite travestida de dia
O espelho do guarda-fatos abraçado à alvenaria
E à janela
Um livro de poemas
Engasgado nas palavras
Vomitando a luz do dia

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sorriso oblíquo

Oblíquo o meu sorriso
Quando se abraça a duas retas paralelas
Depois da tempestade
E antes de acordarem todos os olhares
Que atormentam a maré

Ridículo o meu olhar
As flores e todos os braços das árvores

E todas as sombras da noite
E todas as ondas do mar.

terça-feira, 13 de março de 2012

As coxas da noite

Quem sou,
Das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, o cais emagrece no final de tarde, das mãos mergulhadas em mim os teus lábios embebidos nas lágrimas do paquete de partida para Lisboa, a cidade afunda-se nas mãos mergulhadas em mim, a cidade aos poucos longe e desaparece entre as palmeiras,
É noite
- Quem sou?
Na algibeira dos sonhos, é noite no sorriso das árvores, é noite
- Quem sou Mãos mergulhadas em ti quando poisas as pétalas dos teus olhos nos meus lábios, Quem sou,
É noite dentro da alvorada sem janelas para o mar, e ao longe engasga-se o rabugento paquete cansado de navegar,
- Detesto os teus versos, detesto as tuas palavras e todas as merdas que desenhas, Quem és?, uma fogueira que se alimenta de papéis e palavras e riscos e cores e de nada…
Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite
- Talvez,
É isso que sou, um misero cachimbo de água comprado a um Marroquino abraçado às nádegas cinzentas da maré, Cais de Sodré, Cais de Sodré tem os seus encantos, e quando me sentava
- Pagas um copo Riqueza?
As meninas vestidas de algodão doce pareciam gotinhas de saliva, e eu, e eu quem sou?, e eu apenas procurava o silêncio, e eu não queria engatar nem ser engatado,
- Um cachimbo de água entalado nas coxas da noite e das mãos mergulhadas em mim sorri a claraboia da solidão, e quando me sentava sentia o meu corpo voar sobre a escuridão do Tejo,
Cais de Sodré tem os seus encantos, e eu perdia-me nos cigarros antes de descer ao poço do inferno, ziguezagueando subia a calçada em sílabas embriagadas, sentia que me seguiam, ouvia-lhe os gemidos,
- Pagas um copo Riqueza?
E que não Respondia-lhe a algibeira dos sonhos.

(texto de ficção)
Obrigado