segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O cansaço da noite

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Encosto-me a este infeliz candeeiro
com sorriso de néones,
percebe-se do seu esqueleto enferrujado
o cansaço da noite,
há nele as carícias invisíveis do pavimento térreo
e das flores aprisionadas aos seus braços,
uma corda acorda
e passeia-se junto ao rio,
fumam-se cigarros nas sombreadas alvenarias de verniz
que o vento transportará para o silêncio dos teus seios,
uma lágrima de enxofre cai suavemente sobre o meu peito...
e amanhã não haverá alvorada,
encosto-me...
e escondo-me das tuas garras,
dos teus lábios com sabor a palavras,
e...
e encosto-me ao teu corpo
das canções à lareira,
hoje... hoje é Domingo?
não sei... meu amor!
uma corda acorda
e dança dentro da madrugada cinzenta
como uma balança...
velha e rabugenta.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2015


Poeta sem nome

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


desenhei o teu corpo com os meus dedos de acrílico desassossego
escrevi nos teus lábios o poema da morte
e a separação inventada que só a noite compreende
abri a janela e ao longe os pincelados cheiros do Tejo
que aos poucos se entranhavam em mim
como uma gabardina de aço
e sem eu o saber
tu... desmaiavas na tela do ciume
desenhei
e escrevi
o suicídio perfeito
do poeta sem nome...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2015


domingo, 18 de janeiro de 2015

A tela íngreme das tuas coxas

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Só desejo fazer amor contigo
e embrulhar-me nos teus lábios,
desenhar círculos verdes
nos teus seios,
mergulhar dentro de ti
como uma nuvem apaixonada,
uma cidade embriagada
pelo silêncio do sexo,
a beleza de um olhar na tela íngreme das tuas coxas,
e à janela, um copo de uísque abraçado aos meus sonhos,
princesa das montanhas orgânicas do abismo...
perdoai-me o meu desejo e a minha vergonha.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 18 de Janeiro de 2015


Diário


Não sabia que o teu corpo era um rochedo sem asas
que tinhas nas mãos um barco em papel
sem marinheiros
sem passageiros
depois
acreditei que habitavam no teu peito os beijos nocturnos dos pássaros
sem árvores
sem... sem marinheiros
a tua casa parecia uma cidade de mendigos
recheada de sombras
e cordas invisíveis
havia o ruído em pedacinhos gemidos dos teus lábios
o sangue que vagueava nas tuas veias...
dormindo como dormem os rios e as ribeiras
sem passageiros
depois...
sem árvores
despindo as montras iluminadas das ruas acrílicas
doentes
e cordas
acreditando nas tuas fáceis palavras
deitavas-te no meu cadáver ausente
encostavas a cabeça na ombreira da minha língua
e esperavas
sonâmbula
humilde
como uma porta apaixonada
fumávamos os cigarros dos jardins de vidro
entrelaçávamos as mãos no luar
e mais nada...
e esperávamos pelo acordar da manhã
trazias na garganta um petroleiro
sem gaivotas
a morte
os cães inquietos nos socalcos dos teus seios...
voavam como silêncios de nata
tenho pena do teu corpo de rochedo sem asas
a tília embriagada na sucata diurna da solidão
havia sempre no teu corpo
uma chama
claridade fundeada na lentidão dos círculos
que a madrugada desenhava no teu púbis
tínhamos a paixão na algibeira dos corvos
o negro
as paredes cintilantes do teu sorriso
voavam
alegremente em mim
como um diário sem rumo...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 18 de Janeiro de 2015

sábado, 17 de janeiro de 2015

Ausência do invisível


Absorvo o tesão intelectual,
tenho nas palavras o orgasmo da insignificância,
os momentos perdidos nos teus braços...
não me esperes hoje, meu amor,
sinto a maré do teu sémen voando entre personagens invisíveis...
e equações matemáticas,
apaixonadas,
pois claro,
e ainda,
o prometido automóvel do sorteio da TV,
e no entanto, sofres,
com a minha ausência.


Francisco Luís Fontinha
Sábado, 17 de Janeiro de 2015