Inventas o espelho, e o caixilho onde dorme o
espelho, inventas o prego, onde penduras o espelho, e a parede,
inventada por ti, inventas a sombra que escurece o espelho, onde te
olhas, onde fumas, o cigarro inventado, pela secura do silêncio
agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor
da tua pele perfumada, a água inventada, inventas com as tuas mãos
as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se os sossegados
momentos de literatura dentro da esplanada vestida com as roupas por
ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos,
Dos murmurados alpendres onde me arrumavas os braços
e as pernas depois de me usares,
Acordavas cedo, puxavas as cordas da noite e
começava a clarear o dia, inventavas
Descobri tardiamente
Que inventavas os dias só para mim, como o
jardineiro quando sente que uma fina pétala se desprende do
esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas que
sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de
Trabalhos Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma
simples instalação eléctrica, e com alguma picadelas nos dedos de
areia
Descobri tardiamente que não tinha jeito para
invenções,
De areia como as línguas de fogo que começaram a
descer dos telhados de vidro das casas dos mais enlouquecidos pasteis
de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o vento e o sabor a
morango do rio, a cidade ia ficando-se
Como tu antes de inventares esse maldito espelho
onde te olhas ao acordar, a janela do dia de ontem, onde vês o
restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras vazias onde
se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a
cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à
Torre de Belém, fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça uma
pano vermelho, e era alimentado por painéis lunares, e
Saltitava-lhe da voz
Todos Todas Adivinhos,
A rouquidão do prazer quando os mamilos da
Cinderela, colorida com os lápis de cor da miúda, a filha da
Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no pátio de gelo
em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre empobrecido,
delata, e um olho em xisto, E
E
Saltitavam-lhe da voz as laranjas podres e os limões
sem as palavras que tu
(Inventas no espelho, e no caixilho onde dorme o
espelho, inventas no prego, onde penduras o espelho, e na parede,
inventada por ti, inventas na sombra que escurece no espelho, onde te
olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela secura do silêncio
agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos de suor
da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos
as calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos
sossegados momentos de literatura dentro da esplanada vestida como as
roupas por ti, inventadas
Todos Todas Adivinhos),
Inventavas os diários de prata, de uma cigarreira
simples, modesta, honesta, uniformemente acelerada, como o movimento
dos teus olhos depois de fazeres O Amor,
Esquadro, Régua, Lápis e Borracha, Uma folha
eterna de papel
E o dito O Amor deixa as marcas de sujidade nas
nuvens dos céus tempestuosos da cidade envergonhada, a casa
Treme, o teu espelho
Recordas-te? Aquele, o inventado por ti...
Esboça pequenos círculos de Ilhas embebidas em
vulcões e andorinhas selvagens, e vêem-se os distantes rochedos
onde deixavas as minhas cartas, e depois, de mastigares todas as
minhas palavras, inventavas-me entre os pilares de açúcar e o medo
das noites com lâmpadas quadradas nas paredes de vidro dos tectos
falsos das gargantas das mulheres apaixonadas, pelo vento entravam
todas as manchas de óleo e os pedaços de saliva, que o mar, do
outro lado da cidade, cuspia contra os táxis e os barquinhos de
papel com desenhos de flores e casinhas castanhas com uma árvore
negra, hoje, logo hoje, perdi as palavras dos teus cabelos
Castanhos,
Negros,
Azuis quando desces à fundo do Oceano,
(de suor da tua pele perfumada, na água inventada,
inventas com as tuas mãos as calibradas pálpebras (de) (da)
madrugada), e vinte e oito anos depois, a morte, a morte trouxe-lhe o
sossego, a morte trouxe-lhe a paz, a morte trouxe-lhe o encantado
quarto enfeitado com verdes panos e lilases veludos que a mesma morte
tinha comprado em São Tomé e Príncipe, e descansasse na Paz dos
Anjos,
Como qualquer espelho inventado tem direito.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha