sábado, 16 de fevereiro de 2013

Mínimos fios de oiro

As diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que
Deixei de saber, os anos atracam-se-me como correntes de aço, roubam-me os poucos sonhos que ainda restavam ao meu cadáver corpo de madeira prensada, e também existe o problema das asas de alumínio, os parafusos roucos devido às noites que passei sentado nos bancos de jardim à espera da menina do circo, e nunca mais chegava, chega, até que o arame que ligava as duas margens partiu-se em bocadinhos, centímetros de arame que aconchegadamente podem eternamente viver dentro da minha algibeira,
Tens saudades minhas? Respondia-te que não fingindo, porque sempre tive saudades dos caixotes de madeira, das moscas com muitas patas e asas transparentes, porque sempre tive saudades das pontes, dos teus cabelos de fio doirado e corpo magríssimo quando sobre o arame atravessavas as duas margens e desaparecias na neblina de Almada, claro
Que tenho saudades tuas sua tonta,
E depois do espectáculo, descias, construías uma vénia ao teu sorridente público e ias esconder-te na caravana estacionada a poucos metros do palco invisível, que o teu pai, empresário, ilusionista e palhaço, demorou um inteiro dia a montar sobre o pavimento térreo do voo nocturno dos pássaros embebidos na vodka dos miúdos à porta do cabaré, e quando lhes perguntavam se tinham factura?
Em uníssono respondiam
Tinhas corpo de bailarina, como as abelhas em busca do pólen que dos rochedos da insónia agrediam verbalmente os homens que no Baleizão semeavam gelados de chocolate junto à esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas
De chapa zincada,
Em uníssono respondiam que com a fome comeram a (fatura) e com um pouco de sorte, durante a noite, ela, debaixo do (teto) das amendoeiras em flore, certamente era expedida através das entranhas do rabo ensanguentado devido à grossura do papel que tapava as fendas das paredes da caravana, ela
Esplanada recheada de cadeiras e mesas e pessoas adormecia nos meus braços e pela janela da caravana eu, eu via a luz mergulhada nos Cacilheiros em corridas como círculos em volta de uma árvores de sombra
Ela gritava,
E ouviam-se-lhe os gemidos dos motores a diesel engasgados com os rebuçados de mentol e recheados com sonhos, os mesmos que a gaveta durante anos, e anos, e anos,
Guardou como objectos valiosos, como ainda tenho todos os pedaços de arame que ela utilizava para atravessar as duas margens, e quando poisava em Almada, ouviam-se-lhes os gemidos
Dos motores a diesel que da caravana uma janela imprimia o rosto de um menino abraçado a uma menina, que procuravam, em busca, das asas de vidro das noites voadoras sobre o rio circunflexo dos alguidares de alumínio, e na verdade, deixei, deixamos, perdemos-nos
Antes do espectáculo começar e ela se transformar em nuvem de algodão, e hoje sinto saudades das inocentes (diurnas caixa dos sonhos (esmolas?) que de estabelecimento comercial em estabelecimento comercial, de jardim em jardim, de cave em cave, escondem, semeiam, gratificam, as poucas moedas e notas que o homem dos gelados de chocolate foi deixando pelo chão, hoje sei que no Baleizão uma casa fantasma andava sempre de mão dada comigo, hoje sei que quando olhava a estátua da Maria da Fonte um petroleiro com bandeira da República Popular da China voava entre os meus cabelos e a incensa luz dos olhos agrafados aos pedaços de papel que sobejaram das tardes debaixo das mangueiras, hoje sei que), que desciam do céu, e silenciosamente se sentavam nas cadeiras do Baleizão, aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, como as gajas que muitos anos depois eu via nas caves dos bares em Cais do Sodré,
Ela gritava,
Aos poucos, um miúdo de seis anos apaixonava-se por uma trapezista com asas e que usava na cabeça fios, mas muito mínimos, de oiro, que o vento levou como leva todas as palavras de amor.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Algumas palavras em pálpebras de vidro

O que dizer quando todas as coisas, visíveis e invisíveis, morrem dentro de uma chaminé de vidro com pequenos grãos de gelo, o que dizer
Olha, sinto muito, morri,
E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira
Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente
Dir-me-ás
Novamente a ressonância magnética infiltra-se pela janela dos olhos verdes, e novamente, dir-me-ás que as coxas dos fantasmas têm seios de vento como algumas árvores têm voz de criança dentro de uma garganta de aço, e o teu corpo que há pouco era engolido por fios de luz, hoje, agora entra na fogueira juntamente com os livros por escrever, das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Sabemos que tudo é uma mentira que nós inventamos numa noite de nevoeiro, havia barcos pintados de espuma como o tesão das gaivotas contra os mastros de fibra de vidro, a loucura existe, eu sou louco, mas a tua loucura nada tem com o amor, com a saudade, com a lua, com as estrelas dos céus nocturnos vagueando docemente sobre o púbis uma cabeça de linho, as telas ardiam, e as imagens em sombras de rancor pélvico, encostavam-se ao muro de cimento-armado,
Ou os caixote de lixo esquecidos pela cidade,
Dir-me-ás que apaixonadamente pelos meus olhos verdes vives enclausurada entre paredes de gesso e finas placas de vidro, o que tu não sabes
(Dir-me-ás tu, louca paixão absorvida pelo magma e ouvem-se ao longe os pavios mergulhados na parafina em fios de luz descendo teu corpo abaixo, e novamente)
Desconheces que deixei de ter olhos e de verdes passaram a encarnados, será isto possível? Estarei grávido? Não sei,
Não sei
E ninguém saberá,
Quando se vão revoltar os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Não sei, e no entanto somos sílabas defeituosas suspensas na página 1525 do livro da paixão, mergulhas nos dias embainhados como águias feridas pelas balas de prata dos grandiosos destinos que a cama sobre o mar deixa sobre as conclaves dores dos corações de semanas sem descanso, e no entanto, ainda acreditas que tenho asas e que sei voar, que tenho duzentos e seis ossos e trinta e dois dentes, e sobre a cabeça um chapéu de palha
E no entanto
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti (espantalho),
E eu
E tu
Não sei,
Sabemos que não o estás, como os esqueletos de arame dos homens de xisto que durante a noite me visitam e comem as luzes dos candeeiros semeados por uma louco, mesmo no centro dos passeios, e dizes-me, e dizem-me
Não sabemos, hoje não, tente novamente amanhã,
E amanhã dizem-me...
Se o senhor tivesse vindo ontem...
O Ping-pong entre duas paredes com grades de ferro forjado e sofás revestidos a tecidos importados da longínqua China, as luzes e as mesas vindas dos sonhos baratos de um musseque de Luanda, e as bebidas, dispensamos as bebidas em prol da literatura
E a literatura e os cigarros e os caixote de lixo esquecidos pela cidade, desconheces que as minhas mãos, hoje, agora, são rosas de vento balançando como sexos murchos na areia da praia, e no entanto
Das labaredas libertam-se algumas palavras, poucas, como
Dir-me-ás amanhã
Estou louca por ti,
E eu
E tu
Mortos como as paixões proibidas pelas manhãs de Outono, quando de um quinto andar sem varandas, ouvem-se todas as máquinas de sibilar que o homem de arame foi deixando pelos destinos sonhos adormecidos nos guindastes murmúrios dos lábios em desassossego Inverno... em pálpebras húmidas de vidro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

(E no entanto, ninguém, sentiria a tua falta, a não ser, a não ser os cortinados de renda que uma velha costurou na tua ausência, ainda tu, ainda tu brincavas com os calções, a camisola de alças e as sandálias de couro, e havia pequenas flores em cima da mesa do pequeno-almoço, é como os livros que ardem na fogueira)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os barcos de quilha adocicada

Dizias que o silêncio era uma árvore onde viviam laranjas, e que a solidão, quando aparecia, nunca vinha só, e sempre acompanhada, subia as escadas sumarentas de artrose e reumático, às vezes ouviam-se-lhe os suspiros dos dejectos indesejados que os insectos deixam ficar sobre a clarabóia de onde se via o céu, via-se claro que sim
Porque hoje acabo de saber que este, por ordem superior, foi privatizado e levado para outras paragens, ouvem-se os lamentos dos angustiados
Filhos da Puta,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa,
Dizem que “Já Era”, como os cadáveres sonolentos dos impostores vaidosos que se fazem passear pelas avenidas da cidade, uns coitados de uma classe de “Mete Nojo” que só sobrevive à custa das escadas do Papá ou da mamã, ou do vovô... ou da “puta que os pariu”, mas sobrevivem, tudo têm e dizem que são felizes,
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, o País continua na sua agonia morte lenta como os doentes que a tombola da sorte sorteou, e vivem desgraçadamente até deixarem de respirar, os Países Ditatoriais precisam de um povo inculto e de um exercito forte, o povo cala, e o exercito impõem a força, e para tal, o corrupto do chefe de estado precisa de generais fortes, corruptos, ricos
Ricos Monetariamente,
Filhos da Puta,
“Já era”,
Mas de nada servem os insultos, porque o céu, esse, tal como a água, essa, “já Foram”, e qualquer dia até Deus, até esse vão conseguir privatizar, e vimos Senhores Ministros do Reino em apertos de mãos a “Filhos da Puta” de ditadores, e o povo, lá, a morrer de fome, e o povo, lá, desprotegido dos mais essências bens dispensáveis a qualquer ser humano; saúde, justiça, educação...
Mas
Tirando os barcos de quilha adocicada e com profundas modificações nas mãos com unhas de gel, nada de importante aconteceu hoje, a Teresa ofereceu-me um livro “Diários – AL Berto”, talvez porque hoje é quinta-feira, talvez porque o fim-de-semana está a caminho, talvez
Dia dos namorados,
Não conheço, peço desculpa, e na melhor das hipóteses é entrar na barbearia ali junto ao quiosque das amêndoas em flor e perguntar a barbeiro, esses, esses quase que sabem de tudo, agora eu, não, não sei nada sobre o dia dos namorados; isso é o quê?
Mas Ricos Monetariamente, as Ditaduras de “Merda” que em troca do dinheiro tudo lhes é permitido; até roubar os sonhos das crianças...

(não revisto; a única coisa verdadeira neste texto é o livro de AL Berto “Diários”, tudo o resto é pura coincidência com a realidade)
@Francisco Luís Fontinha

Isso é amor


Se os teus olhos de poesia
um dia dormirem com o luar,
isso é,
isso é amor,

Se a tua boca de ficção
um dia sorrir,
isso é,
isso é amor,

Se as tuas mãos de papel tricolor
um dia aparecerem com palavras escritas,
isso é,
isso é amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

COSTUREIRO OU BAILARINO

A minha casa,
Quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Nada a acrescentar, nasci longe e vim de longe, e quando regressar, irei regressar para longe, talvez encontre outra casinha modesta com esta, mas aqui
Não vou ficar mais,
Mas aqui falta-me o mar, os barcos em passeios nocturnos quando terminavam as sessões das duas da madrugada, os cinema recheados de gajos em desejo, às vezes sentiam-se-lhes os gemidos entre as portas de madeira do Hall e a sala de fumo, percebia-se pelo comportamento dos cigarros que havia um perfume de mulher algures nos cortinados das janelas viradas para os telhados adormecidos de uma cidade abandonada, mas lá eu
Tu lá eras feliz, tinhas sonhos, brincavas com personagens invisíveis e desenhavas em todas as paredes da casa, excepto na casa de banho, talvez por ser o único compartimento que quase sempre estava ocupado, passavas tardes intermináveis a construir vestidos para bonecos loucos, pegavas na agulha da tua mãe, nas linhas, e dos tecidos
Lindos vestidos e quando te perguntavam o que querias ser quando fosses grandes, algumas vezes respondias
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E
E afinal vivo numa casa com quatro paredes em cartão, do fino, que é mais chique, não tenho janelas para o mar, porque infelizmente ele vive longe de mim, não tem telhado, felizmente para mim, porque às vezes falta-me o ar e tenho grande dificuldade em respirar, ela, a minha casinha, não tem mobílias luxuosas, e tirando a máquina de costura Singer que herdei de uma bisavó que deve ter mais de setenta anos, talvez mais
Outras?
E
E ainda acredito nos olhos disfarçados em poemas, e ainda acredito nos lábios com tonalidade de sílabas adormecidas, como as rochas do amor, como os orifícios das portas com vista para um corredor comprido, fino e escuro, onde
Brincam
Onde e
Barcas vestidas de barcos com âncoras de aço e correntes em oiro, às vezes oiço-os masturbarem-se no tecto embaciado do Domingo de prata, e do calendário ordinário com gajas nuas que o sapateiro suspende todos os anos desde que começou a trabalhar
Murcham as palavras do amor proibido, cansado do azul sobre os joelhos com rosas amarelas, vestias-te de cinzento para te confundirem com os candeeiros de silício amargurado que caem nas noites de celibato, e os homens aproveitavam-se das tuas mãos para roubarem o telhado da minha pobre casinha,
A trabalhar um pedaço de sola como o pão duro das sobras que durante a noite dormem nos caixotes de luxo, e que muita gente teima em apelidar de lixo, duro, robusto, sapatos de luxo para exportação, e quem sabe
NADA,
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
E afinal
E afinal não fui uma coisa nem outra, sou um homem descomplexado, pobre, sem palavras, sem ideias, sem o amor vestido de qualquer coisa, de morte
Outras que
QUERO SER COSTUREIRO OU BAILARINO,
De fatias de pão nasçam sapatos de luxo...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha