As cerejas pareciam loucas de ciúme enquanto ele
saboreava um cacho de uvas cor de sílabas mentirosas e sorrisos de
poeira, e conforme o retirou da nobre videira assim foi saboreando
cada bago, bolinhas de sumo com sabor inconfundível, bolinhas
imaginárias com olhos de prata apontando os desfiladeiros que o
levavam até ao rio, curvas de carris caminhavam como se fossem grãos
de areia a descer a montanha, bem lá no altíssimo altar da
natureza, jazia um abrunheiro com bronquite e ao lado, na cama número
treze, um pequeno pessegueiro a queixar-se de dores intensas na
coluna, o médico, um castanheiro de meia-idade tinha-lhe
diagnosticado reumatismo agudo, devido à doença da Tinta, em frente
a ele, na cama número nove dormia o limoeiro, que devido aos
sedativos que sobejavam dos pingos das bolhas castanhas que uma fina
prata de alumínio derramava, pedrado como os seixos brancos dos
mares clandestinos, há dois dias que tinha levantado voo e apenas
víamos o corpo esquelético sobre os cobertores de aço onde se
deitava, o resto
Ninguém sabia onde encontrar,
Tinham-se esquecido de encerrar as janelas, estava
vento, tínhamos medo que a sua força levasse os frágeis ossos do
adormecido limoeiro, uma roseira, experiente catalogadora de ossos,
numerou-os, e um a um, todos, como se fossem pedras de granito quando
um ricaço qualquer as resolve transladar para outro local, a
bananeira, desenhadora e escritora, fez o respectivo esboço, e
assim, tínhamos a garantia que tudo o que acontecesse ao coitado do
limoeiro, sempre o podíamos reconstruir, e levá-lo para outro
local, se necessário,
Tenho quarenta e sete anos, sou um plátano e perdi
vinte e cinco quilogramas, e tudo por apenas três drageias por
semana, agora sinto-me..., sinto-me como se tivesse vinte anos, o
tronco está mais delgado, e os meus ramos, encolheram, e agora até
já consigo sentar-me num dos bancos de madeira que vivem no jardim
ou baixar-me e colocar a caixa vazia de cigarros na papeleira, e tudo
quase sem esforço, e tudo por pouco dinheiro,
E ninguém sabia onde encontrá-lo, na aldeia até
já tinham pedido ao senhor Prior para rezar uma missa pela sua
pecadora alma, e em uníssono diziam
Coitado do limoeiro, no fundo era um desgraçado, e
tirando o vício, uma jóia, uma jóia de árvore
O senhor Prior rezou a missa pelo seu
desaparecimento, ao centro da Igreja tinham colocado a fotografia a
preto e branco de quando ele ainda era uma árvore robusta, forte, e
nem a mais agreste das tempestades a conseguiam derrubar, mas agora,
agora vive na agonia de partir sem que venham a saber a verdadeira
história dele, e talvez por essa razão, hoje relate a vida e os
saborosos limões que este meu amigo limoeiro deu, vendeu, e se não
fosse o maldito vento
Ninguém sabia onde o encontrar, e o maldito vento
conseguia arrastar as rochas do fundo do mar até ao santuário, nas
algibeiras viemos a descobri pedaços de corda de nylon, não
percebíamos qual a sua utilidade, mas hoje sabemos que foi com essas
mesmas cordas que o triste limoeiro se suicidou, quando acordou da
sonolenta paixão pelas bolhas castanhas, amarrou-se com uma das
pontas da corda de nylon e a outra ponta prendeu-a a um dos pilares
da enfermaria, depois
Depois coitado, ninguém sabia onde o encontrar,
E depois, quando já a noite poisava sobre o
pavimento irregular da enfermaria-montanha, ergueu-se, cruzou os
braços e voou em direcção ao abismo, e gritava enquanto sufocava
Detesto mentiras, Detesto mentiras, Detesto...
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha