Insisto, desistes
facilmente como se fosses a chuva miudinha dos finais de tarde em
Belém, e nunca percebi, senti, sem ti, perceber
Porque me perseguias
entre sombras e canaviais que escondem a cidade, porque me
perseguias, sem perceber, sem ti e sinto, hoje, não propriamente
hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado
dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, sentavas-te e
acorrentavas-te aos candeeiros encardidos, velhos, ontem, hoje não
Perceber, sem ti,
sentir-te dentro dos meus olhos cabisbaixos, amorfos, fabricando
euros clandestinos num barracão da Madragoa, e entortavas-te com a
vestimenta disfarçada de gaja Espanhola, made in China, perceber
Hoje não, desculpa-me,
E entortavas-te nos
lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti
Hoje não, desculpa-me,
Sem ti e sinto, hoje, não
propriamente hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri,
defecado dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os
sexos murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento,
as levava, e eu
Sentavas-te, sem ti,
senti, sentavas-te a olhar o mar, e esperavas, pelo regresso das
palmeiras, algumas regressavam, outras morriam, e outras
E entortavas-te nos
lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti
Libertavam-se das manhas
de cacimbo, e o capim mergulhava nas tuas coxas de linho, o cortinado
tremia, sentavas-te
Sentia-te,
Sentavas-te nos rochedos
que as nádegas, e entortavas-te nos lençóis embebidos em vodka,
senti, sem ti a paixão dos homens que se suicidavam dentro dos cubos
de vidro, e sentavas-te nos rochedos que as nádegas de manteiga
desenham nos espaços vazios da areia das parais do Mussulo, caraças
Sentavas-te e sentavas-te
e sentia-te
Regressavam os barcos
nocturnos das viagens sem regresso, perdias-te nas caves escondidas
dos porões esfomeados que a saliva do desejo traçava nas paredes
murmuradas em parêntesis incompletos, pontos finais sem fim,
continuação da história, da mulher de saltos altos e meia de vidro
no palco em delírios e sentavas-te
No caixão revestido de
sorgo, amêndoas e chocolates fora de validade, acreditavas nas
esplanadas junto ao rio, abrias as pernas, fincavas os dentes num
pedaço de pano, sujo, imundo, húmidas as tuas mãos, e
Absorviam-te as palavras,
desculpa-me, sentavas-te, sentavas-te, senti, sem ti, absorviam-te as
palavras como se fosses um poema de amor, como se fosse uma rosa, uma
nuvem, pássaro, ou uma árvores inventada pelas mãos de um
apaixonado motorista dos machimbombos, com asas de de vodka, embebias
os lençóis em sangue menstrual, limpidamente à janela de onde se
observava a pastelaria, e quem diria
E entortavas-te nos
lençóis embebidos em vodka, senti, sem ti,
E quem diria, que eu, um
dia, acabaria como um lençol mutuário, sem testamento, herdeiros, e
quem diria, que eu, um dia, sem ti e sinto, hoje, não propriamente
hoje, ontem talvez, às vezes esqueço-me que já morri, defecado
dentro dos orifícios das lilases masmorras de granito, os sexos
murchos como as palmeiras da Baía de Luanda, quando o vento, as
levava, e eu
E eu
Um vulcão,
E eu
Sentia-te,
E eu
Libertava-me das manhas
de cacimbo, e o capim mergulhava nas coxas de linho construída por
uma noite de insónia, e o cortinado tremia, e sentavas-te
Sentia-te,
Nos meus silêncios do
inverno à lareira dos sonhos,
E eu
Não acreditei.
(Texto de ficção não
revisto)
@Francisco Luís Fontinha