domingo, 30 de março de 2014

Esconderijo da solidão

foto de: A&M ART and Photos

Sacias-te na minha sede mergulhada em perfumados cachimbos de prata,
encontras em mim a doce corrente do aço clandestino da saudade,
sei que existo porque escrevo-te palavras, vãs palavras que o tempo come, e alimentam as tempestades da dor,
sacias-te em mim como se eu fosse um marinheiro escondido na escuridão da cidade,
procurando engate, procurando o prazer sem o prazer... no inanimado mundo da morte,
procurando mãos silenciosas para argamassarem o meu corpo aos cais do desgosto,
e sinto-me uma ténue folha de papel esquecida no teu ventre,
sacias-te nos meus olhos, e cerro-os para me ausentar de ti,
palavra, palavra do engano que sente o sofrimento,
e... dizes-me que todas elas são inconstantes equações trigonométricas,
cansadas,
tão cansadas como as tuas mãos poisadas no meu rosto de lata...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014

sábado, 29 de março de 2014

Coração em pedra

foto de: A&M ART and Photos

Ele tinha um coração em pedra, daquela pedra ínfima que alimenta os beijos nocturnos dos pássaros,
vinha a chuva, e viam-se-lhe as perdidas chapas de zinco nos pobres telhados da madrugada,
hoje, ele, hoje ele dispensa o significado da palavra “AMOR”, porque onde a tinha escrito, na folha caduca da árvore tombada, essa, essa... morreu, morreu a palavra... morreu a árvore tombada,
fingiam-se amantes abraçados aos pinheiros mansos no recreio da escola, e sempre, e sempre havia uma janela em ruínas, pedaços de lágrimas que sobejavam do sino da Igreja,
ao longe sentiam-se os feirantes que tudo vendiam, e de nada servia gritarem... “Vendem-se Beijos Embalsamados”, porque de beijos, nada, nem o vento, nem o triste amanhecer na boca dela,

Desenhei-lhe os lábios na esplanada do falso diamante,
escrevi nos seus seios “AMAVA-TE”..., hoje escrevo, não, hoje nada lhe escrevo, porque o amor desaparece e aparece como as sombras dos barcos em movimento,
recordo o púbis coloidal do imaginado olho de vidro, fundeado na minha mão,
a mesma que depois de suicidada, acariciava-te os esconderijos do néon vaginal,
e assim, ele tinha um coração em pedra, e assim... ele dorme sobre as candeias do luar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 29 de Março de 2014

O homem de negro

foto de: A&M ART and Photos

O homem de negro aparece-lhe no sonho de papel,
apalpa-lhe o seio, acaricia-lhe as coxas diurnas da paixão,
ouvem-se os estilhaços de um corpo de porcelana,
um tiro de desejo, e “PUM”... a madrugada morre, e o homem de negro transforma-se em mão,
clandestina,
cinzenta,
o homem de negro é a escuridão,
e do espelho inseminado do prazer vêm os cintilantes corações de prata,
lá fora um letreiro grita “Hoje há moelas”, e a rua veste-se de transeunte mendigo,
e hoje, e hoje a mulher apalpada pelo homem de negro, dorme... tranquila, dorme docemente como as curvas esverdeadas dos olhos das searas em construção,
o homem..., o homem de negro, triste, desaparece quando alguém liga o interruptor do amor,
e um pedaço de aço incandescente poisa no seu ventre...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 29 de Março de 2014