sábado, 15 de fevereiro de 2014

A vergonha de ser cidade

foto de: A&M ART and Photos

Sentia-me desgovernado dentro do teu corpo melódico de poesia envenenada,
tínhamos descoberto as tristes pálpebras dos candeeiros de papel...
e havia em nós uma penumbra neblina com assobios de escuridão,

Sentia-me prisioneiro das mãos tuas em castanhas árvores de parede,
tinha medo de perder a sombra,
tinha medo de perceber as andorinhas com vestidos de chita,

Sentia-me desgovernado nos alpendres de alvenaria invisível,
inventava recreios numa remota escola de aldeia,
chamava a mim a cidade... e a da cidade vinham os teus olhos,

E da cidade acordavam os lábios submersos nas tempestade de areia,
um coração chorava, um coração zangava-se com o amor das palavras escritas por nós...
sentia-me um vagabundo sem sentido que sentia os alicerces da própria cidade,

Sentia-me como tu não sabendo que do espelho havia beijos,
saudade,
e da cidade... os teus malignos cabelos infestados de pólen, e cinzentos abraços...

Sentia-me,
aos poucos envergonhado, cansado... do teu corpo melódico de poesia envenenada,
e aos poucos, e hoje... sei que não tenho nada.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 15 de Fevereiro de 2014

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

pulsar do meu velho e estranho corpo

foto de: A&M ART and Photos

vês o meu velho e estranho corpo dentro da insónia madrugada
percebes que dentro de mim existe um conjunto de roldanas, rodas dentadas e alguns tristes veios mergulhados na escuridão da partida
um comprimento indefinido de corda em perfume sisal adormece no teu pescoço de porcelana
sinto-te nas pálpebras de granito que a manhã deixou sobre a mesa-de-cabeceira
é tarde
temos fome de partir
correr em direcção ao rio com palavras de azulejo apodrecido
tocar na pele do mar
olhar no relógio de pulso o pulsar do desejo...
é tarde
temos de partir... partir para o prometido beijo
… sem sentir o palpitar do vento entre os corações de areia e as rochas abandonadas

um candeeiro de água salgada semeado no centro do passeio libertino
dois esqueletos de saliva deambulam como se fossem a alegria transformada em silêncio
o medo que o desejo roube todas as esplanadas de vidro
o cheiro das janelas com mãos de putrefacção acordam em ti e alicerçam-se aos teus cabelos de estanho
estranho mundo onde vivemos porque não sentimos o que temos
porque não o sabemos
ainda... se amanhã acordarás sobre o meu peito
ou... enforcada paixão nos ombros do plátano de cinzeiro gaivota atravessando pontes invisíveis
lágrimas com sabor a pétalas de carvão escrevem-se em mim
fico envergonhado
sem jeito...
triste... assim... assim como ficam tristes os livros dos teus seios quando líamos abraçados num sótão de insulina...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 14 de Fevereiro de 2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A cobra negra

foto de: A&M ART and Photos

A cobra negra invade o corpo de trapos da bailarina,
uma espessa sombra de néon adormece nos cabelos tristes do palhaço de vidro,
a cobra pertence-me, é-me fiel como foram os arbustos das sílabas de carvão,
uma espessa, sombra, noite mergulhada nos candelabros braços de marfim,
a cobra pertence-me como se fossem palavras de solidão entre os lábios da saudade,
a loucura espreita no peitoril abandonado da minha velha janela de zinco,
minto, sinto o corpo dele clarear os infinitos confins dos espigueiros do medo,
penas, árvores, cadeados em confronto com todos os livros da cidade,
e a cobra,
a cobra sabe, que a falsidade, inventa-se, como as flores de papel dentro dos cortinados de veludo,
como os corações apaixonados desenhados no tronco de um apodrecido barco de brincar...
e sei, e sinto... sinto que amanhã uma cinzenta avenida crescerá na minha mão,

e
e chamá-la-ão de mar, amar, a um barco de brincar.


@Francisco Luís Fontinha
Quinta-feira, 13 de Fevereiro de 2014