domingo, 10 de março de 2013
sábado, 9 de março de 2013
A fuga inventada
Inventei distâncias para fugir de ti
criei dentro de mim
personagens invisíveis
bonecos e bonecas em pura porcelana
vivi menti
como um agarrado jardim
às árvores comestíveis
dos corpos mortos na lareira chama,
Como me arrependo das caminhadas pela
montanha
comendo ervas daninhas
ou aguentando o castigado castigo
do homem com cabeça de vidro
dormíamos inventando prazeres
e pequenos gemidos
que a noite engolia
e o dia
o querido dia transpirava
vomitava
contra as ardósias das ruas em
desalinho
dentro de mim invenção da manhã
doente e sonolenta,
Inventei o coração de prata
e o orgasmo matinal
inventei os relógios de sol
e os telhados de lata,
Inventei distâncias para fugir de ti
desenhei versos de amor
nas parede insolentes
dos corpos com colares de iodo
inventei a loucura
e as enfermarias onde acorrentam Marias
e a mim
que inventei as árvores com folhas de
papel...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Os ouros em fumo de cigarros
Poucas coisas tínhamos para dizer,
(há dias assim, esquisitos, doentes, dias de
“merda” que eu vejo a aproximação de uma noite, também ela,
esquisita, doente, e de “merda”),
deixou de ter paz e sossego, depois de clarear a
manhã e de muitos milímetros quadrados de gotinhas de água,
lembrou-se que hoje era Sábado, e que hoje não necessitava de
levantar-se cedo, tomar banho apressadamente, o pequeno almoço em
soluços e o primeiro café ainda as moedas jazem na algibeira, hoje
Sábado não puxou pelo primeiro cigarro, pois precisamente hoje,
Sábado passaram dez meses que fumou o último cigarro, e
dizia ele,
é como o amor e a paixão, aos poucos vamos
esquecendo, tudo na vida podemos esquecer, não apagar como se
existisse um apagador que absorvesse o giz das coisas boas e das
coisas más que a vida constrói sobre a ponte metálica que
atravessa o rio da saudade, mas, depois, depois passados os enormes
segundos multiplicados pelos duodécimos do prazer, e
dizia ele que ainda ontem tinha tudo, e hoje, nada
lhe resta,
(eu sinceramente não acredito nas suas palavras,
porque nunca se tem tudo, e quando pensamos que temos, falta sempre
algo), mas isso é lá com ele e de aldrabão tem um pouco, como
todas as flores que vi e ouvi no jardim da casa dele,
poucas coisas existem concretamente para dizer,
que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros,
é a vida amigo Gonçalves digo-lho eu, confesso que
fica mais calmo, do tipo, deixa lá amigo, a minha casa também ardeu
toda, ou então?
também tal como tu estou encornado e não é isso
que me vai matar ou por isso vou deixar de viver, vamos mas é ao
tasco beber umas minis, uns vinhos tintos, e quem sabe, na volta do
correio, um novo amor apareça, como apareceram aquelas palavras que
descobriste na parede do sótão, ou
(que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),
ou, poucas coisas tínhamos para dizer, e como
sempre haviam silêncios disfarçados de melódicos sons embrulhados
num fino pano de linho, ou
não quero,
eu respondia-lhe,
eu também deixei de querer,
e comecei a acreditar nas nuvens com braços e
pernas e corpos de mulher, e comecei a acreditar no vento que
empurram as nuvens com corpo de mulher para o cimo da montanha, onde
solitariamente, vive uma pedra com braços e pernas e também com
corpo de mulher, e comecei a acreditar nas palavras que começaram a
cair do céu, e comecei a acreditar que o mar
não tinha nada para me dizer,
e comecei a creditar que um vez por semana o mar
subia a montanha e com a sua salgada água ensanguentava as nuvens e
a pedra, com pernas e braços e corpos de mulher, e comecei a ver os
dias a entrarem dentro de um tubo de vácuo, e rodopiavam e
rodopiavam e rodopiavam
(que está a chover, mas isso não me é novidade,
cheguei do café à pouco e acreditem que tinha mais água em mim do
que moedas de ouro, e como diz ele
os ouros desaparecem como o fumo dos cigarros),
e rodopiavam até tropeçarem nas mentiras
inventadas pelos livros que só o Inverno consegue transformar em
lareira, estava frio, a nuvem e a pedra, com braços e pernas e
corpos de mulher começaram, também elas, a acreditar
(e quando muita gente começa a acreditar numa
mentira, quando chega o Sábado, já é uma verdade anunciada,
proclamada e publicada em livro branco que em todos as lápides
existe),
é assim a vida, amigo Gonçalves,
sabes?
não, diz,
vou ouvir um pouco de Fingertips e ler o livro de
Colette “Gigi” ou Bernardo Soares “Livro do Desassossego”, ou
em vez de ler, oiço apenas, ou aproveito e enquanto oiço, penso,
que
poucas coisas tínhamos para dizer, e no entanto,
chove torrencialmente na minha vida.
Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 8 de março de 2013
Mulheres a preto e branco
Ei-lo que se recusará a regressar antes que a ponte
velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das
tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos
Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos
como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças
ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram
algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade,
algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as
fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que
São como as mulheres, belas,
Uma fotografia a preto e branco e uma mulher, ambas
elas belas, e a diferença está no papel, a fotografia exibe um
papel macio, cristalino e cintilante, e a mulher, exibe uma pele de
sombras que caminham sobre as ondas cristas que a maré desenha nos
desejos depois de partir o pôr-do-sol e antes de regressar a lua,
Ei-lo, o ausente mutante que acreditava nas palavras
que lia, ei-lo agachado no pavimento húmido dos quartos reles de
pensões miseráveis, e no entanto, ele, preferia as fotografias a
preto e branco, e às mulheres, das mulheres recebia uma chave de
carícia em formato de três por três e que tinha como objectivo
abrir todos os corações mais secretos e encerrados das noites
ilimitadas, quando a tangente de (x) tende para uma cama com lençóis
de papel e um guarda-fato com um espelho onde se vê o círculo
trigonométrico das mulheres de coração claustrofóbico, ele
Sou uma fotografia aparvalhada, vesti-me de palhaço,
sem tenda de circo e apenas com uma roulote dei duas voltas à aldeia
dos Pinhais de Cima, e desenha no invisível rectas, cubos, círculos,
triângulos e meninas de chocolate,
Existem mulheres a preto e branco como fotografias
com coxas transeuntes, e têm o coração tão fechado, tão fechado,
que nem o amigo Rocha das Chaves consegue abri-los, coisas dos
artistas, escritores e poetas, porque se eu tivesse a habilidade que
ele tem para abrir fechaduras...
Meu Deus, quantos corações,
(paciência, cada um tem o seu ofício, e eu, não
tenho nenhum)
E eu tenho muita, como as árvores, vou esperando
que cessem todas as tempestades e que uma nuvem com recheio de amor
desça às profundezas das masmorras onde se passeiam correntes e
argolas e animais ferozes, a selva desceu à cidade, os rios fugiram
para a montanha, e um ditador roubou-nos o mar, mas não nos
importamos, já nos roubaram tantas coisas
Que
É mais uma, que diferença faz?
(este bloqueio vai estar activo durante mais 1 dia e
23 horas)
Que nascemos para vivermos sobre tempestades (só
alguns) e que também (só alguns) são incapazes de abrir uma
simples fechadura, ou
Arrombar a janela de paixão,
Ou levitar sobre os telhados dos Pinhais de Cima,
vestido de domador de feras, porque começando por ele, há feras
completamente indomáveis como o porteiro do edifício contiguo à
repartição onde trabalha o Alfredo, o velho Alfredo que desde que
me lembro espera e desespera pelo regresso
E ei-lo que se recusará a regressar antes que a
ponte velhíssima de madeira se desmorone sobre as pálidas algas das
tristes tardes de Inverno, ei-lo, o transeunte mais procurado dos
Pinhais de Cima, aldeia pacata e silenciosa que cresceu, aos poucos
como um cogumelo de areia, entre as rochas fragmentadas das cabeças
ocas dos homens com pernas de cimento, enferrujado o aço, sobejaram
algumas paisagens que um fotografo famoso guardou para a posteridade,
algumas fotografias a preto e branco, porque ele sempre amou as
fotografias a preto e branco e não se cansa de dizer que são como
as mulheres, belas, e como as flores, ainda mais belas que as
fotografias, mas
Menos belas que as mulheres a preto e branco.
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 7 de março de 2013
Desisti dos cabelos negros com olhos castanhos
Vou sonhando, vou, dentro das águas milenares que
da fonte da inocência brotam, deixei de procurar-te, tal como deixei
de me importar com o sal que a água transporta, e às escondidas, e
Vou
E sem saber que a vizinha que eu pensava existir
apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a
encontrava todos os dias, hoje
Bateu-me à porta,
Procurou-me, e deixei de a procurar, desisti dos
cabelos negros com olhos castanhos e pele cor de chocolate,
bateram-me à porta, preparei-me para abrir, e ela parecendo uma rosa
descida do pedestal do silêncio, murmurou-me, gritou-me,
infernizou-me a paciência
O vizinho por acaso tem sal que me empreste?
Respondi-lhe que não, que o único sal que disponho é o que
transporta a água, e que me desculpasse mas estou com pressa, vou
sair, preciso de sair desta casa
O vizinho é mesmo um rabugento e mal educado,
Pois sou, claro que sou, mas não fui eu que lhe
bati à porta a pedir sal, fui?
É por essas e por outras que vai morrer só, E
passei-me, e respondi-lhe deselegantemente que o facto de estar só
não quer dizer que esteja só,
Ela
Não percebi,
Eu
Também não é para a senhora perceber e
desculpe-me mas tenho de encerrar a porta, vá ao vizinho do segundo
esquerdo, parece que esse tem sempre tudo,
Ele é o colesterol, ele é bicos de papagaio, ele é
a próstata, ele é o esqueleto empenado..., talvez tenha sal, quem
sabe?
Ela nunca me gramou, sempre me desculpou nas minha
aventuras, mas eu sabia que fingia, e nunca me perdoou as fendas que
deixei nas paredes da vida, ela nunca percebeu que eu apenas tenho
alguns cachimbos e uns tantos livros, nada mais, e no entanto,
bastantes CDS, considero-me um barco feliz, tenho asas, voo sobre os
telhados das aldeias de zinco, quando quero, puxo da âncora e
estaciono num qualquer banco de jardim,
“Cuidado, pintado de fresco”,
E quando percebo, zás..., o casco recheado de
listras encarnadas, como um prisioneiro abandonado no cais do
inferno, quando o rio se transforma em absorto desejo das entranhas
algibeiras de prata, das mãos, incham os dedos coloridos com sabor a
limão, e erguem-se-lhe do ventre as flores mortas que as noites se
poisam nos seios de oiro clandestino,
Ouvia-te permaneceres sentada nas árvores anãs do
jardim do sétimo andar direito, e um desejo de vidro sinto-o
apaixonado pela janela que o homem de xisto e a mulher de socalco,
deixaram embalsamada como as casas em ruínas da minha alegre vida,
As paredes de gesso, fendilhadas raízes sobre a
terra queimada, o azul regressou hoje a casa, na boca trazia a dor de
mais um dia passado em branco, junto a uma parede de cimento, vestido
de preto, com um lindo chapéu de abas largas, o azul entranha-se-lhe
no púbis como o mar quando sobe as escadas do abismo e desaparece
entre telhas de vidro e chapas de miniatura com mistura de chocolate
e amêndoa, e
Nunca vi uma mulher sentada sobre o mar, mas não
invalida que não exista uma, uma apenas, porque também nunca tive o
prazer de olhar um protão e ele existe
Vive nas recordações que a terra engole todas as
quintas-feiras ao meio-dia, e como barco que era, fazia-se ao mar,
tapava os ouvidos para não ouvir os lamentos da vizinha, porque
Umas vezes era o sal, outras, outras a salsa,
outras, insignificâncias com as palavras que ele escrevia,
“Porque o que ela quer é peso”, o
insignificante Alberto a preencher-me os ouvidos, e eu respondia-lhe
És parvo pá, ela é doida, só isso, nada mais do que isso,
E escrevia, escrevia as parvoíces do dia como se
fossem histórias de encantar, e de encantar, de encantar apenas os
sons do relógio da torre da Igreja, vou sonhando, vou, dentro das
águas milenares que da fonte da inocência brotam, deixei de
procurar-te, tal como deixei de me importar com o sal que a água
transporta, e às escondidas, e
Vou
E sem saber que a vizinha que eu pensava existir
apenas no espelho do guarda-fato, porque era naquele lugar que eu a
encontrava todos os dias, hoje
Bateu-me à porta,
E hoje descobri que vou...
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 6 de março de 2013
Do sabão em barra de antigamente
Pedi a todos os sons que se calassem e,
cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo,
dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos
lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno
cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si,
Perguntava-me
Porquê ela?
Responderam-me que era a vontade de Deus, e eu, eu
que nunca contrariei a vontade dele, mesmo discordando das suas leis,
às vezes, egoístas, aceitei
E
Porquê ela?
Perguntava-me,
E porque não eu? Sim, podíamos trocar de posição,
e em vez de ela adormecer eternamente no leito de lençóis bordados
com flores e corações, poderia muito bem ser eu, eu no lugar dela,
eu enroscado nos pedaços de cartão que arrebanhei do caixote do
lixo, que todas as noites dorme na esquina da rua,
Porque eu, dizia ele, não faço falta,
E eu, não concordo, porque todos fazemos falta,
mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses,
alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho
A Associação dos Cadáveres Abandonados, com sede
numa rua perdida dentro da cidade também ela perdida, uma cidade
completa, com árvores e pássaros e barcos, e homens e mulheres
Que dormem embrulhados em pedaços de cartão,
(Pedi a todos os sons que se calassem e,
cessou-se-lhe a respiração, vi, como se fossem uma nuvem de fogo,
dois olhos a separarem-se de uma cabeça com caracóis loiros, dos
lábios, um fino aroma a morango sobressaía e emergia do pequeno
cadáver que Deus (como é costume dizer-se) tinha chamado até si),
E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e
obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não
catalogado, alguns até, já perderam metade dos ossos, outros,
outros tiverem e sentiram a necessidade de os venderem, e há sempre
um oportunista à procura de pechinchas
Porque eu, dizia ele, não faço falta,
E eu, não concordo, porque todos fazemos falta,
mesmo os cadáveres indefesos, sem família, sem nada, mesmo esses,
alguém sentirá a sua falta, e por isso proponho, proponho-me a
vestir-me de estátua e ficar eternamente num dos jardins a
fotografar à distância o rio, também ele, um cadáver, triste como
eu, alegre como ela,
A Associação dos Cadáveres Abandonados associa-se
às pechinchas & pechinchas do senhor Manel Zé, cigano
respeitado e honesto, criador de cavalos e comerciante na área dos
fios de cobre, e quando tem algum tempo, dedica-se a fabricar ouros
em casa, e diz que são como os originais, mas depois de os
acariciarmos, notam-se-lhes os ossos, um esqueleto esquelético como
os suspiros de amor que a mulher dele, a dona Maria dos Anéis
transporta nas axilas, e lá fora chora-se a partida da querida
Margarida com os seus loiros caracóis e que por dificuldades da
própria vida decidiu ir para longe, muito longe, até que ninguém
se lembre dela,
E homens e mulheres, tristes e sós, vivos e
obrigados a transportar um esqueleto desclassificado e não
catalogado..., como os cortinado pesadíssimos, negros, que encerram
as janelas da paixão, escondem as flores verdadeiras, enquanto as
outras, de papel, fingem orgasmos nas asas das abelhas entre margens
de um rio doente, pestilento, ofegante, ouviam-se-lhes as garras a
atingirem as mandíbulas dos triciclos de aço, mabecos em fúria num
País desorganizado e amedrontado, e diziam-me que no capim viviam
sonhos
Rebolava-me sobre ele, escavava cavernas e inventava
guerras com soldados de borracha, e juro
Nunca vi e senti, um sonho, portanto
Mentiram-me,
Mentiram-me como me mentiram quando me disseram que
foi Deus que a escolheu, quando hoje sei, tenho a certeza, que ele,
ele não tem paciências nem forças nem vontade
De se meter nessas coisas,
Mesquinhices de mulheres do soalheiro, escadas sem
patamar semeadas por velhas, que esperam, esperam pela chegada do
campanário, da chama iluminada de palavras, e depois de um crucifixo
enferrujado atravessar durante a noite o rio dos Desgostos, elas,
coitadas, ainda acreditam no poder
Do sabão em barra de antigamente,
E claro que ele não se mete nessas coisas, ele não
é de mexericos, do disse que não disse, e certamente terá muito
mais em que pensar, olha por exemplo
Como irá ele resolver o problema das infiltrações
que estão a afectar severamente o sótão, e alguns dos livros já
se encontram misturados numa penumbra húmida com listras verdes e
amarelas e negras, outros deles, intactos, e até parece que nada lhe
acontece, saúde de ferro como o bisavô António, sentado na eira a
enrolar cigarros só com uma mão e a contar-me histórias da
Primeira guerra Mundial, coitado, coitados deles, dos vivos, dos
mortos e dos que cá chegaram transportando um esquelético esqueleto
onde já se notava a falta de alguns ossos, talvez os tenham trocado
por comida, ou
Perdidos pelos campos imensos e desconhecidos,
Eles regressaram, ele regressou,
E encontrou uma junta de bois mais esquelética do
que ele e do que alguns dos seus camaradas, como é cruel a vida, e
os chamamentos com as inexplicáveis cartas de chamada, hoje
Senhor Francisco?
Sim, sou eu,
Acaba de ser contemplado com uma viagem para o
Além...
E Pergunto-me
Porquê, Porquê eu?
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 5 de março de 2013
À procura do mar
Carlota Maria acordara com o barulho ensurdecedor
que o vento provocava nos braços de Alberto, dentro dela, Humberto,
cavaleiro, passeava-se de armadura de papel e montado no seu cavalo
de oiro com finos olhos de porcelana, recordava os tempos infinitos
vividos numa guerra inventada, num País inventado, onde todos os
dias era Inverno, uma criança brincava junto aos pés de Alberto,
empoleirava-se num triciclo com assento em madeira e velhos ferros
das intempéries chuvosas alicerçadas às raízes que faziam
estremecer o coitado do Alberto,
De vez em quando, Alberto balançava as
grandessíssimas mãos de ébano sobre os cabelos movediços de
Carlota Maria, ela
Vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam
diamantes e da boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que
suspendiam os dentes em marfim, nas traseiras, a criança com uma
vara metálica procurava o mar, Alberto fingia que dormia, enquanto
dentro da Carlota Maria um silêncio de prata começava a clarear,
percorrendo cada milímetro dela, o menino gritava por ela
Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a
ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia
sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que
havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um
outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se
cansou, e hoje
Não consigo ouvir, ler, nada, a palavra mar,
Ela dançava com as mãos poisadas na cintura de
sílabas mortas, e quando o cavaleiro Humberto entrava dentro dela
com toda a sua fúria, ela
Chorava,
Ela chamava pelo Alberto, mas este, entretido com o
menino do triciclo pensava;
E quando eu morrer?
O que será do menino? O que vai acontecer à
Carlota Maria?
Ela gemidamente estremecia com os soluços do
cavalo, e o mar nunca apareceu,
E quando eu e a Carlota Maria e o Humberto e o
menino, todos, morrermos? O que será do narrador sentado no muro de
xisto a cerca de cem metros de nós...
Ela, docemente nos abraços do cavaleiro, não a
ouvia, e se a ouvia, fazia ouvidos de marcador, e eu, eu permanecia
sentado, alguns metros de distância de Carlota Maria, percebi que
havia um menino em cima de um triciclo e que procurava o mar, como um
outro menino, num outro continente, que tanto procurou o mar que se
cansou, e hoje sons estranhos dentro de mim, o medo,
O Alberto tem medo de voar, Carlota Maria adora voar
mas apenas se com ela for o cavaleiro Humberto e o seu cavalo de
palha, e o menino
Não sei, prefiro o mar e todos os barcos que
brincam no seu ventre, como os bebés, antes de nascerem, comunicam
através de sons, ténues limas de luz, poucos os percebem, mas sei
que um dia alguém vai pegar no menino e partir, e apenas ficará um
velho triciclo com um apodrecido assento em madeira,
E sinto-o, o medo
O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos
braços, Carlota Maria sorri aos encantos do cavaleiro Humberto, e
eu, eu sentado no muro de xisto a contemplar a feliz Driamara, leve
como as penas das gaivotas que andam à boleia nos mastros dos barcos
com bandeiras capazes de comerem as palavras do querido Alberto que
de um feixe de iões se materializam contra uma parede de vidro,
O medo de voar e perdermos tudo o que temos, e
amemos, e perdermos o silêncio húmido das tardes de Primavera,
vestia-se simplesmente, tinha olhos que pareceriam diamantes e da
boca ouviam-se-lhe os gemidos dos gonzos que suspendiam os dentes em
marfim, nas traseiras, a criança com uma vara metálica procurava o
mar, e o menino pela madrugada em gritos sussurrantes
Pai, Pai Pai,
Sim filho,
Tenho medo,
Medo? De que tens medo meu querido filho!
Sonhei com uma casa que se chamava Carlota Maria,
dentro dela andava um cavaleiro com uma armadura de papel, o cavalo
era lindo
Mas tive medo,
E nas traseiras da casa havia um sobreiro que se
chamava Alberto, e em frente a eles um homem com um chapéu estranho,
fumava cigarros e sentava-se no muro de xisto, havia ervas, pássaros,
e só me lembro que eu brincava com um triciclo à procura do mar
como uma vara metálica,
Não achas este sonho estranho, Mãe?
Driamara responde-lhe que os sonhos era assim, às
vezes estranhos, longe, muito longe, como os dias debaixo das nuvens
felizes e infelizes, apaixonadas e não apaixonadas, todas, e
sinto-o, o medo
O Alberto pálido agacha-se e embrulha o menino nos
braços...
E as marés em sofrimento dos longínquos corredores
das planícies inventadas, tal como as guerras, numa tela de gesso
com acrílicos mergulhados em quatro simples paredes de amêndoa. E
de todos, apenas senti pelo pelo Humberto.
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 4 de março de 2013
A rosa em segredo
Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor a
queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas,
ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem
ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da
sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela
Parecia-me que os telhados da aldeia ardiam na febre
dos relógios quando provocam nas pedras a lenta morte como sentia,
e deixamos de sentir, as algibeiras recheadas de moedas com um furo
no centro geométrico, que neste caso, coincide com o centro de
massa, e dizias-me que das flores belas e menos belas, cresciam as
bailarinas, ouvíamos o movimento circular uniformemente acelerado,
subindo, e descendo, as escadas para a Primavera, e, eu
Não queria ir à janela, e à janela vimos as
migalhas de pão que sobejaram do lanche, e um mês depois estavas
grávida, e eu, sentia, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos
matinais, como as gaivotas quando poisavam em cima da mesa da sala,
líamos no sofá meio cambaleado, trôpego, meio embriagado pelo
silêncio da velha casa, recheada de fendas nas paredes de gesso, e
ambos
Vómitos matinais,
Eu deixava de voar entre os ferrosos poste de
iluminação, uma balança pesava-nos e a árvore que tínhamos no
centro da cozinha começava a dar sinal de fadiga, a loucura aos
poucos entrava na casa que diziam ser nossa, que eu afirmava não
conhecer, e tu
Vómitos
E ambos tínhamos formas geométricas nas mãos
gretadas devido ao frio invernal, descíamos ao inferno depois da
meia-noite, e tu embrulhada nos vómitos matinais, e curiosamente,
eu, tu, nuca vimos o rebento florido da rosa em segredo, uma noite
extingui-se e afundou-se nos rochedos nas traseiras da nossa velha e
encantada casa dos libertinos sonos de aranha, um corda, um sindicato
e cartazes suspensos no corredor, um revoltado encornado com sabor a
chocolate quente, e víamos, e sentíamos, e tínhamos
NADA,
ABSOLUTAMENTE NADA, NUNCA O TIVEMOS, NUNCA O
DESEJAMOS,
E tínhamos vómitos matinais com sorrisos de areia,
Ou
E
Talvez percebas a maldade de uma janela com
fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores
nascidas durante a noite, e o que vês?
Espuma e sons circunflexos, apaixonados,
perdidamente em círculos como o pôr-do-sol mesmo sabendo que ele
hoje não acordou, e provavelmente, talvez um dia percebas,
percebas-me, como é difícil caminhar sobre os carris e olhar, lá
longe, quase no infinito, o silêncio da luz,
Desistes então?
Não sei, não sei...
- Um dia hoje indesejado, indigesto, com algum sabor
a queimado, um dia de chuva mergulhado em línguas de seda e plumas,
ouvi pela primeira vez os sons coloridos das amendoeiras, senti, sem
ti, sentindo no final da tarde a ruína dos alicerces de espuma da
sustentação dos barcos em recreio, no átrio da escola, à janela,
as canções melódicas do desejo hoje não apareceram, e as poucas
palavras que encontrei em voos na casa de banho, também elas
tristes, também elas distantes de mim, de ti, ou de si, conforme o
tratamento, conforme a idade, ou o sentimento, e se eu amar
loucamente um pedaço de cartão com uma simples palavras, uma
palavra sem significado, suponhamos
Eu amo loucamente um pedaço de cartão onde alguém
escreveu “hoje sou feliz”, e se eu trocar a janela por uma folha
de papel em branco, e simplesmente olhá-la até me fartar,
Será isso um crime que me levará à pena capital?
E enquanto a paisagem da janela é sempre a mesma,
na folha de papel em branco poderei escrever histórias, desenhar
objectos, resolver complexas equações matemáticas, posso e devo
Desenhar um coração com pontas de aço,
Porque não?
Pego no copo, pego na escova de dentes e no
dentífrico e, vou-me embora, vou, e sinto, sem ti, senti as
clarabóias do destino estilhaçarem-se com o peso das pombas de
papel, e um perfume de solidão desce em pedacinhos de milímetro até
embater nos vidros opacos da vida clandestina, fingida, e aí sim
Porque não?
Sim, talvez percebas a maldade de uma janela com
fotografia a preto e branco para o mar, quereres ver as árvores
nascidas durante a noite, e o que vês?
(E um mês depois dizias-me que estavas grávida, e,
eu, e eu, sem ti, senti, e eu sentia os enjoos matinais das árvores
pintadas de encarnado e de olhos verdejantes, e um mês depois
dizias-me que as gaivotas estavam loucas, porque uns dias sorriam, e
outros, outros suicidavam-se de encontro aos mastros de aço dos
barcos moribundos).
(ficção, não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
A inquietação de ser
Como são os livros com cabeça de
saudade
como são as palavras assassinadas
pelas mãos do amor
como são as ruas da tua cidade
sem jardim sem flor,
Como são os barcos de sonhar
quando da noite descem as estrelas sem
nome sem paixão
como são
meu amor as tarde de verão
quando dormes sobre um braço
lacrimejado pelo mar,
Como são os versos de escrever
nas lisas tempestades dos muros sem cor
como são as sílabas de prazer
quando o teu corpo se transforma em
dor...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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