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sexta-feira, 1 de março de 2013

E quando terminarem os meus braços?

Liberta-me, desamarra-me deste sufocado porto de embarque, desembarque, ancoragem, liberta-me das árvores doentes e cansadas e das rochas amarguradas, por favor
Oiço-os dentro dos pedaços de luz,
Por favor, ouve-me, assombra-me como assombras-te-me quando torrencialmente desceram as lágrimas do sono, deitávamos-nos sobre a pelugem escura das amendoeiras em flor, acordavas-me depois de mergulharmos nas tempestuosas buracos de areia
Gigi dorme, observa-me de cima de uma simples tábua de madeira, flutua, voa entre paredes e taludes desgovernados, um barco, ele chora, e depois
Buracos de areia com pocinhas de água, límpida, outra
Salgada
E às vezes,
Delicio-me com as paredes finas das gotas de orvalho do vidro facial que as mascaras de madeira transpiram quando o mar avança terra adentro, e oiço-os dentro dos pedaços de luz, frios, longínquos, sem estrada, vila, casas, telhados de colmo, e oiço-os como ouvia na Primavera o rosnar das caravelas à deriva sobre a mesa de um bar, sem nome entre outros, com nome abraçado a outras, pedia laranjas e traziam-nos garrafas de cerveja, copos invisíveis embebidos em vodka, as velas e os mastros, cá fora, esperavam-nos
Sós, embriagadamente
Como as estátuas de pedras dos jardins desenhados no muro da escola, e infelizmente
Ela chorava como choram as cobras antes de morrerem,
Entre nós um losango em betão com armadura de ferro de vinte milímetros, e com uma janela circular, como elas
Depois saíamos do bar e vestíamos os mastros e as velas, e começávamos a navegar calçada abaixo até desejarmos não encontrar o vulto humano do homem de gabardine que todas as noites se passeava em redor de árvores e candeeiros de cartolina
Desviavas-te dele e do cão dele,
Embriagadamente sós, entrava a noite pela porta das traseiras, uma rapariga com tranças estava mergulhada no croché, um maço de linha escoria-lhe pelos cantos da boca, e no pavimento, junto aos pés descalços, nascia ela
Uma enorme colcha de renda e pacientemente sós, embriagadamente sós, como as aranhas que debaixo do xisto (Por favor, ouve-me, assombra-me como assombras-te-me quando torrencialmente desceram as lágrimas do sono, deitávamos-nos sobre a pelugem escura das amendoeiras em flor, acordavas-me depois de mergulharmos nas tempestuosas buracos de areia), uma conversa de poucas palavras, a colcha cresce, alimenta-se dela, e come-a como comeu todas as estrelas o mar na madrugada da tua partida, em
Desviavas-te dos grãos de areia, deitavas-te nos meus braços de papel onde hoje passo as noites a escrever, pergunto-te
E depois? E quando terminarem os meus braços?
E pergunto-me
(Gigi dorme, observa-me de cima de uma simples tábua de madeira, flutua, voa entre paredes e taludes desgovernados, um barco, ele chora, e depois)
E quando ela acordar? Abrir os olhos e olhar-me pela primeira vez? Que dirá? Escreverá algo sobre mim, como eu escrevo dela nela,
E às vezes
Poucas,
… Delicio-me com as paredes finas das gotas de orvalho do vidro facial que as mascaras de madeira transpiram quando o mar avança terra adentro, e oiço-os dentro dos pedaços de luz, frios, longínquos, sem estrada, vila, casas, telhados de colmo, e oiço-os como ouvia na Primavera o rosnar das caravelas à deriva sobre a mesa de um bar, sem nome entre outros, com nome abraçado a outras, pedia laranjas e traziam-nos garrafas de cerveja, copos invisíveis embebidos em vodka, as velas e os mastros, cá fora, esperavam-nos...
Depois derrubaste os muros pintados de branco, tiraste todos os bancos de madeira, escondeste as árvores acabadas de regressar, e deixaste-me sobre pequenas pedras, pontiagudas, deitado, sombriamente como as algas depois da tempestade, deitado e apaixonado pela trigonometria e coisas para ti, insignificantes,
Desenhavas-me como palavras eu sobre ervas condenadas,
E para ti, eu
Um enorme rochedo com asas de coloridas pétalas de ardósia, e tu
Uma casa disfarçada de abraço,
E quando regressava-mos
E quando não regressava-mos
Tínhamos todas as luzes só nossas, e todas as claridades do universo, e quando não sabíamos o que fazer depois do jantar, inventávamos literatura com migalhas de pão,
(E para ti, eu
Um enorme rochedo com asas de coloridas pétalas de ardósia, e tu
Uma casa disfarçada de abraço,
E quando regressava-mos
E quando não regressava-mos)
Dentro do mar.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
Hoje apetecia-me decorar-me com morangos e pequenas cerejas sobre a minha cabeça de arame, de mim, tu, confecionares um bolo de aniversário, e apesar de ninguém conhecido fazer anos, apetecia-me ser um bolo, recheado, só, ou acompanhado, um bolo de chocolate com quatro pisos e uma cave, janelas com vidros de açúcar, e claro, muitas velas, com números, círculos, triângilos, quadrados, linhas rectas, não rectas e simplesmente, linhas, sem nome, desertas, abruptas, cinzentas ou
Linhas;
E ainda nem te perguntei se tu, sim tu, aí
Sabes confecionar bolos?

terça-feira, 23 de outubro de 2012

As folhas cansadas do Outono


Apareces, desapareces, inventas sombras nas entranhas do xisto douro em socalcos de oiro, teces nos lábios do rio as palavras bronzeadas que a noite transpira, e inspira, o poeta que dança nos braços de uma canção, apareces, desapareces, e constróis desejos nos tentáculos do poema, o poeta enlouquece nos olhos enamorados dos plátanos ternos e meigos dos loiros fios de luz que a manhã desenha na areia,
e desce a noite sobre ti,
desapareces, apareces,
nos versos das folhas cansadas do Outono,

E dizem que a lua cor de amêndoa navega nas gaivotas do Tejo, apareces, desapareces, inventas sombras, inventas-me quando a janela do minguante silêncio aquece na tua pele de água adormecida, oiço-te voar debaixo do tecto da saudade, eu corro, eu procuro-te desenfreadamente no Rossio depois de se despedir a tarde dos sótãos suspensos na solidão,
inventas, e dizes-me depois de adormecerem todos os sonhos da cidade que o poeta enlouquece a madrugada e enrola-se nos candeeiros invisíveis que os pássaros trazem do outro lado do rio,

Apreces, e inventas-me, inventas a saudade, inventas o desejo, e desapareces dentro da neblina cinzenta dos cigarros quando vêm os barcos ao teu submerso corpo de papagaio de papel no cordel enfeitado que o miúdo lança contra o vento.

Francisco
23/10/2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Em abraços de aço os barcos e os paquetes


As manhãs eram de líquido cambaleando dentro da noite
no vidro do cansaço
o dardo das tuas palavras contra o meu peito
a singela e triste árvore dos sonhos
na proa de um paquete sujo e nu
obeso como as rochas aprisionadas no tecto das coxas tuas lua de cor,

amanhã vou sentar-me sobre as sombras húmidas que os ponteiros do relógio
constroem nas asas de um moinho de vento,

cai a chuva imaginada pela boca
a tua boca em gritos herméticos
a tua boca nas carícias dos lábios perpendiculares ao beijo
da aranha de vinte e cinco patas,

(amanhã vou sentar-me sobre as sombras húmidas que os ponteiros do relógio
constroem nas asas de um moinho de vento),

e o círculo do desejo
em movimento circular e uniforme...
em abraços
de aço
os barcos e os paquetes
quando o púbis das sílabas
dorme sobre o mar
e as manhãs solidificam.

(poema não revisto)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

e à noite deixei de ouvir-te

deixei de sentir o peso do meu corpo
e o vento levou-me o coração de silício
que eu transportava nas palavras
e escondia dentro do meu peito

escondo-me na tua voz invisível
e inaudível
que também ela se esconde nas tardes junto ao Tejo

deixei de sentir os abraços do inverno
e o beijos da primavera
deixei de sentir o peso do meu corpo
sobre a água salgada onde se suicidam os barcos do verão
com a voz cansada dos pedaços de cigarros em decomposição
na sepultura do amor

escrevo-te

despeço-me dos teus lábios antes de cair a noite
dentro dos lençóis da loucura
despeço-me com justa causa
ausência
infinitamente entre paredes e veredas de xisto
escrevo-te

e despeço-me

e será que me ouves quando abres a janela da torre do teu castelo de algodão?
Deixei de sentir as nuvens
e os finíssimos gemidos dos grãos de areia das brincadeiras no Mussulo
e deixei de ouvir as lanternas mágicas na rua com escadas para o sótão dos enganos
hoje timidamente ausente de ti e de mim e do próprio vento
e despeço-me
escrevo-te
da ausência do peso...

sou um pássaro de papel
que voa em direcção ao buraco da solidão

escondo-me
escrevo-te
da ausência do peso das palavras
que escreves nas paredes do meu esconderijo
a noite
e à noite deixei de ouvir-te

sexta-feira, 20 de abril de 2012

As rasantes da manhã


Lá fora entre as rasantes da manhã
procuro desesperadamente o relógio de pulso
que deixou de funcionar
lá fora entre as sombras do veleiro embriagado
desesperadamente procuro o calendário
que ficou esquecido na parede da cozinha

lá fora
desesperadamente
entre o dia e a noite
procuro o vento
entre as rasantes da manhã
que deixou de funcionar

lá fora
na parede da cozinha
o meu corpo crucificado

nos lábios do luar...