Liberta-me, desamarra-me deste sufocado porto de
embarque, desembarque, ancoragem, liberta-me das árvores doentes e
cansadas e das rochas amarguradas, por favor
Oiço-os dentro dos pedaços de luz,
Por favor, ouve-me, assombra-me como assombras-te-me
quando torrencialmente desceram as lágrimas do sono, deitávamos-nos
sobre a pelugem escura das amendoeiras em flor, acordavas-me depois
de mergulharmos nas tempestuosas buracos de areia
Gigi dorme, observa-me de cima de uma simples tábua
de madeira, flutua, voa entre paredes e taludes desgovernados, um
barco, ele chora, e depois
Buracos de areia com pocinhas de água, límpida,
outra
Salgada
E às vezes,
Delicio-me com as paredes finas das gotas de orvalho
do vidro facial que as mascaras de madeira transpiram quando o mar
avança terra adentro, e oiço-os dentro dos pedaços de luz, frios,
longínquos, sem estrada, vila, casas, telhados de colmo, e oiço-os
como ouvia na Primavera o rosnar das caravelas à deriva sobre a mesa
de um bar, sem nome entre outros, com nome abraçado a outras, pedia
laranjas e traziam-nos garrafas de cerveja, copos invisíveis
embebidos em vodka, as velas e os mastros, cá fora, esperavam-nos
Sós, embriagadamente
Como as estátuas de pedras dos jardins desenhados
no muro da escola, e infelizmente
Ela chorava como choram as cobras antes de morrerem,
Entre nós um losango em betão com armadura de
ferro de vinte milímetros, e com uma janela circular, como elas
Depois saíamos do bar e vestíamos os mastros e as
velas, e começávamos a navegar calçada abaixo até desejarmos não
encontrar o vulto humano do homem de gabardine que todas as noites se
passeava em redor de árvores e candeeiros de cartolina
Desviavas-te dele e do cão dele,
Embriagadamente sós, entrava a noite pela porta das
traseiras, uma rapariga com tranças estava mergulhada no croché, um
maço de linha escoria-lhe pelos cantos da boca, e no pavimento,
junto aos pés descalços, nascia ela
Uma enorme colcha de renda e pacientemente sós,
embriagadamente sós, como as aranhas que debaixo do xisto (Por
favor, ouve-me, assombra-me como assombras-te-me quando
torrencialmente desceram as lágrimas do sono, deitávamos-nos sobre
a pelugem escura das amendoeiras em flor, acordavas-me depois de
mergulharmos nas tempestuosas buracos de areia), uma conversa de
poucas palavras, a colcha cresce, alimenta-se dela, e come-a como
comeu todas as estrelas o mar na madrugada da tua partida, em
Desviavas-te dos grãos de areia, deitavas-te nos
meus braços de papel onde hoje passo as noites a escrever,
pergunto-te
E depois? E quando terminarem os meus braços?
E pergunto-me
(Gigi dorme, observa-me de cima de uma simples tábua
de madeira, flutua, voa entre paredes e taludes desgovernados, um
barco, ele chora, e depois)
E quando ela acordar? Abrir os olhos e olhar-me pela
primeira vez? Que dirá? Escreverá algo sobre mim, como eu escrevo
dela nela,
E às vezes
Poucas,
… Delicio-me com as paredes finas das gotas de
orvalho do vidro facial que as mascaras de madeira transpiram quando
o mar avança terra adentro, e oiço-os dentro dos pedaços de luz,
frios, longínquos, sem estrada, vila, casas, telhados de colmo, e
oiço-os como ouvia na Primavera o rosnar das caravelas à deriva
sobre a mesa de um bar, sem nome entre outros, com nome abraçado a
outras, pedia laranjas e traziam-nos garrafas de cerveja, copos
invisíveis embebidos em vodka, as velas e os mastros, cá fora,
esperavam-nos...
Depois derrubaste os muros pintados de branco,
tiraste todos os bancos de madeira, escondeste as árvores acabadas
de regressar, e deixaste-me sobre pequenas pedras, pontiagudas,
deitado, sombriamente como as algas depois da tempestade, deitado e
apaixonado pela trigonometria e coisas para ti, insignificantes,
Desenhavas-me como palavras eu sobre ervas
condenadas,
E para ti, eu
Um enorme rochedo com asas de coloridas pétalas de
ardósia, e tu
Uma casa disfarçada de abraço,
E quando regressava-mos
E quando não regressava-mos
Tínhamos todas as luzes só nossas, e todas as
claridades do universo, e quando não sabíamos o que fazer depois do
jantar, inventávamos literatura com migalhas de pão,
(E para ti, eu
Um enorme rochedo com asas de coloridas pétalas de
ardósia, e tu
Uma casa disfarçada de abraço,
E quando regressava-mos
E quando não regressava-mos)
Dentro do mar.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
P.S.
Hoje apetecia-me decorar-me com morangos e pequenas
cerejas sobre a minha cabeça de arame, de mim, tu, confecionares um
bolo de aniversário, e apesar de ninguém conhecido fazer anos,
apetecia-me ser um bolo, recheado, só, ou acompanhado, um bolo de
chocolate com quatro pisos e uma cave, janelas com vidros de açúcar,
e claro, muitas velas, com números, círculos, triângilos,
quadrados, linhas rectas, não rectas e simplesmente, linhas, sem
nome, desertas, abruptas, cinzentas ou
Linhas;
E ainda nem te perguntei se tu, sim tu, aí
Sabes confecionar bolos?