sábado, 1 de julho de 2017

O homem do mar


Sentas-te no meu colo como dois pilares de areia envenenados pelo silêncio,

 

Oiço a tua respiração romper a manhã,

Ainda o sol não acordou,

Pego na tua mão,

Desfeita de aventuras,

E ternuras,

Que o tempo levou…

 

E perdeu no chão,

A chave do teu coração,

 

Sentas-te na minha sombra, menina do teu olhar,

 

Desfeito em lágrimas o amanhecer ausente,

Duas portas sem saída,

Nesta cidade perdida…

Perdida que não sente,

 

Porque te sentas,

Em mim,

 

Todos os dias loucos sem madrugada,

 

Oiço a tua voz pergaminho,

Perdida na brancura da razão,

Estou só, e sou um ninho…

Um ninho na solidão,

 

Sentas-te em mim,

 

Um homem construído de mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Julho de 2017

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Viver

Que sobre o amor nada tenho a dizer,
Saboreio a vida com prazer,
Todos os dias ao acordar,
Danço, escrevo e consigo navegar
Nos teus braços de manteiga,
Aceito,
Amo,
Percorro caminhos obscuros da maternidade…
Tenho em mim a saudade,
Da verdade,
Da sabedoria de nada saber…
A não ser…
Que a morte existe,
Persiste…
Persiste em me atormentar,
Navego no teu colo nascer do sol,
Quando o tempo se esquece de mim,
Tenho o teu jardim,
Desenhado,
Desenhado num caderninho…
Num caderninho dentro de mim,
Que sobre o amor nada tenho a escrever,
A não ser,
Viver.


Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 28 de junho de 2017

A casa


A casa desocupada e infestada de bichos marinhos,

Os ninhos do meu quintal estão recheados de pergaminhos,

Palavras soltas,

Palavras mortas,

Vivas palavras rompendo a madrugada,

Sem nada,

O infeliz meu corpo deitado na casa desocupada,

Escrevo no chão,

Minha mão estremece a cada sílaba adormecida,

Vomito poesia sobre a janela envidraçada,

E imagino a louca Calçada…

Ajuda, não ajuda,

O eléctrico dorme na minha cama esganiçada,

O comboio para Cais do Sodré engasga-se em Alcântara Mar,

E o sonâmbulo adormecido descarrilha ao passar pela minha sombra,

Uma tragédia, meu amor,

A casa,

Desocupada e infestada,

De livros,

Quadros,

Esqueletos…

E restos de ossos,

Poeira,

Alvorada fora até ao nascer do Sol,

Bebedeira, o esqueleto cambaleia…

Saltita,

E volta a adormecer no meu peito,

Nada me resta,

Nada tenho para te oferecer, meu amor,

A não ser, a não ser… algumas velhas flores,

Pedres,

Envelhecidas como nós.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Junho de 2017

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Envenenadas pelo silêncio


Percorro este caminho de pedras envenenadas,

Cada palavra escrita é um novo suicídio…

A aldeia de chocolate evapora-se ao pôr-do-sol,

O teu corpo permanece impávido com a minha presença,

Aventuro-me no teu cabelo…

Fresco ao nascer do sol,

Um livro poisa nos teus lábios recheados de poemas e beijos abstractos,

Sinto-o…, sinto-o quando acordo e apenas vejo a tua sombra

Na penumbra dos meus aposentos empoeirados,

Não me vês, não pertences aos esqueletos de prata

Que brincam na minha biblioteca,

E, no entanto, sei que existe em mim a tua pobre sombra,

Ao fundo do horizonte um rio que chora a tua partida,

Apenas cruzo os braços e deixo-te partir como uma gaivota sobrevoando o mar…

Deixo-te ir…

E canto uma canção para alegrar os arbustos em teu redor,

O Tejo é o Tejo…

A ponte que te iluminava nas noites inquietas,

Os cacilheiros apressados e tu indiferente aos seus anseios…

Não tenho pena nem sinto tristeza,

Já tive e vi muitos barcos…

Reais, de papel… e de esferovite,

Desenhei-te pela última vez de costas para a cidade,

Sentias-te cansada das minhas mãos…

E das minhas palavras,

Percorro este caminho…

De pedras…

Envenenadas pelo silêncio.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Junho de 2017

domingo, 25 de junho de 2017

A casa dos encantos


Domingo, um abraço chuvoso,

O fogo absorve-te na imensidão do espaço,

Evapora-se nos teus cabelos frescos como a água da ribeira…

Domingo,

Um abraço na carcere do esquecimento,

A flauta suspensa nos teus lábios…

Enquanto em mim permanece acesa a musicalidade da saudade,

Tenho em mim os marinheiros esfomeados do sexo,

E das bebedeiras noites junto ao mar,

A inocência granítica do teu corpo voando na minha mão,

És uma estátua invisível como são invisíveis todas as estátuas,

Olhos cerrados,

Mãos maniatadas,

O uísque em pequenos tragos na melancolia do dia,

As palavras, Domingo, um abraço chuvoso,

A poesia incinerada na tua boca de papel…

Ardem as cidades do sono,

O fogo…

No teu corpo de vidro,

Os barcos amarrotados esperando seus passageiros clandestinos,

Um comandante embriagado…

Prisioneiro de um Domingo chuvoso,

Um abraço,

Até sempre…

No espelho convexo da tua nuvem favorita,

A poesia morre?

Domingo, um abraço, chuvoso,

E o fogo leva-te para as minhas cinzas misturadas na terra húmida…

E toda a sanzala é nossa…

A casa dos encantos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Junho de 2017