domingo, 17 de janeiro de 2021

Rosa geada

 

Flui o amor

Na rosa pétala geada,

Nasce nos teus lábios o sabor a amêndoa cansada.

Desparece a madrugada,

Nas páginas do poema flor;

Eis a manhã do meu sonhar.

Todas as horas e, todos os relógios a cantar,

Todas as flores na tua mão

Dançando a cantiga de embalar…

Flui o amor

Na rosa pétala geada,

Entre conversas de conversar

Entre murmúrios de adormecer.

Pobre coração!

O teu.

Janela para o jardim do amor,

Fotografia em flor,

Máquina volátil de enganar,

Revoltam-se todas as flores

Deste jardim de madrugar.

Flui, flui o amor

Nesta mão pétala rosa geada,

Canção de embalar,

Sorriso de nevão,

Cantiga,

Lágrima água ao acordar;

Dai-me a vossa mão,

Senhor, senhora, menina de brincar.

O doce lençol de linho,

Na triste cama da Donzela adormecida,

Menino,

Menina…

Foto muito querida.

Flores,

Paus,

Pedras de atirar,

Canções de mendigar

Quando a aldeia está a arder,

O fumo alimenta-a

Como todas as rochas de sofrer.

Encontrarás um dia o alegre destino?

Só aos Sábados,

Só aos Sábados, menino.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó-17/01/2021

sábado, 16 de janeiro de 2021

O sono

 

Uma finíssima sombra de gelo

Poisa docemente na tua pele.

Todas as palavras, escritas no teu corpo,

São poemas loucos, são rosas, Senhor…!

São manhãs sem dormir,

São tardes infinitas,

São lençóis de seda,

Que agasalham o teu corpo.

Uma finíssima tarde de sono

Brinca nos teus lábios encarnados,

Doces como a geada,

Transparentes como a luz do teu olhar.

Todas as palavras,

Todos os livros,

São noites ensonadas,

São Primaveras prometidas,

São toalhas de linho

Que adoçam as tuas mãos de fada.

Brincam nos teus cabelos

Todas as estátuas da cidade,

Onde habitam todos os pássaros em papel

Que a tua mão construiu na noite,

Todos os silêncios,

São lágrimas de sorrir,

São sorrisos de chorar…

Que só os pequenos livros de poesia conseguem cantar.

Toas as faces,

Todos os dedos,

São finíssimas sombras de geada

Que saltitam no teu cabelo;

Eis as lágrimas da noite

Quando todas as crianças dormem e,

Tu, sem o saberes,

Alimentas o povo faminto de liberdade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 16/01/2021

sábado, 9 de janeiro de 2021

As invisíveis cidades de ontem

 

Quando as amarras se desprendem da paixão e, o rio galga os socalcos da insónia.

 

 

Eles tiram-nos a vontade de caminhar,

Mas nunca, nunca, nos tirarão a razão de pensar.

O amor,

A paixão entre dois corpos cerâmicos,

Quando dois lábios de seda, ao nascer do sol, se entrelaçam na maré e,

Um finíssimo fio de chuva,

Dorme, docemente, na cânfora manhã de ontem;

Sois vós, aqueles que me apedrejam e, depois, vêm lamber-me o cu.

Os livros, dormem,

Todas as estátuas, dormem… e,

Até as palavras, vejam lá, também elas, dormem.

O circo,

Os palhaços de farrapos que dormem na soleira das portas,

Também elas,

Todas,

Encerradas.

Querem que ele trabalhe, estude, seja educado, obedeça.

Mas, obedecer, nunca.

Como os pássaros,

Livres pensadores do destino,

Erva daninha dos caminhos de areia,

Que depois,

Dormem, como as palavras dele.

A paixão.

O orgasmo literário de um pobre blog,

Uma simples fotografia de um momento passado,

Cadernos mortos,

Corpos assados,

Na fogueira,

Da língua dos outros.

A boca, incha,

Morre de desgosto,

Sepultam-se os corpos cerâmicos, na fogueira do incenso,

Morde as palavras e,

Grita; foda-se.

Os sete cavalos de aço,

As sete pernas de gesso,

Os setenta corvos da madrugada,

Que o diabo deixou acordar;

Foda-se.

Amanhã estará neve na minha aldeia,

Um rio de sémen, em demanda, correrá para o abismo,

Nascerá mais tarde uma borboleta em papel,

Que o menino deixa adormecer na sua mão.

Hoje, sábado, tarde manhosa, triste,

Dançam as crianças à volta da fogueira,

Pequenos livros, grandes papeis,

Voam e, deixam em mim,

A cinza da tristeza.

Choram eles.

Gritam gemidos de ódio, elas.

Como sabem, o amor é uma pedra linda,

Que caminha junto ao rio;

Foda-se. A água salgada da língua amaldiçoada.

Corpo,

Carne,

Sangue,

Pedaços de pedra,

Amuletos de nada…

São estas as brincadeiras da sereia.

A mesma sereia, aquela que dorme como um porco,

Num qualquer comício de aldeia.

Foda-se, amanhã não.

Fecha.

Abre as pernas, filho,

Porque o Governo te vai foder.

E fode-nos, como fodem as pedras todas as cabeças e cabeçudos do circo e,

Fode-nos, como todos os pregos de aço que serpenteiam as manhãs de sábado.

Os secretos AMORES que habitam esta casa,

Fecha.

Abre.

Fode-o profundamente como que fode o próximo.

Come. Não come. Tem fome, ninguém quer saber.

O gajo é fodido.

Escreve nas paredes da insónia…

Estou farto desta merda.

Merda.

Foda-se.

Ponto final.

Paragrafo.

Amanhã, Domingo.

Hoje, um corpo suspenso na avenida.

O poema, morre.

Como morreram todas as palavras de há pouco;

A marmelada, fria,

Azeda ternura.

Os beijos.

A ferradura.

A mão de enxada na mão.

O polícia quase a vomitar parágrafos e travessões…

“Felizes os convidados para a ceia do Senhor…”

Que são poucos.

Bons companheiros de tribunal.

Levanta-se o réu: inocente, “senhou” Juiz.

Inocente.

Pernas, paus, picaretas, todos à molhada,

Parecendo brinquedos em plástico,

Que o tio “Celito” vende nas ruas de Lisboa…

O cu amarelejado de centeio,

A peida perfumada, quando se senta na esplanada, assume que é apenas um pouco de raiva, a que sente ao estar completo no signo mais estúpido do zodíaco.

Há fogo dentro dela.

Ardem palavras de amêndoa, cornos descascados e,

Putas, muitas, na feira da cidade.

Assim termina mais um confinamento:

Fodam-se.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó, 09/01/2021