terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O segredo


O segredo,

O meu segredo,

As palavras engasgadas no silêncio,

O medo,

O medo de amar não amando,

O medo da paixão…

Não desejando,

Este infeliz transeunte abandonado,

Abandonando o poema,

Fugindo dos desenhos construídos na escuridão,

O medo,

O medo da solidão,

Todas as noites,

Cai o cortinado sobre as pálpebras da tristeza,

Invento certezas,

Invento sofrimento nas amoreiras dos teus lábios,

Porque sinto,

Porque minto

Amar-te,

Não te amando,

E não te querendo,

Hoje,

Amanhã…

Logo à noite,

Logo à noite talvez,

O infeliz petiz

Galgando as amarras do prazer,

O clitóris da sinfonia floridas dos cardos

Cospem metáforas, calçadas e sorrisos,

O segredo,

O meu segredo,

O nosso segredo… morto junto ao rio.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 19 de Janeiro de 2016

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O corpo de matar!


Este amontoado de sucata que apelidaram de corpo

Enferrujado como os ventos que assombram a montanha

Encurralado nos rochedos desde o amanhecer

Até ao sol-posto,

Não quero querer

Que este corpo pertence à geada

Que este corpo é feito de velhos papeis e ossos em poeira

Esquecido numa velha calçada,

Não quero querer

Que este corpo brincou na eira

E hoje faz-se transportar pelas palavras envenenadas

Entre marés de sono e noites cansadas,

Ai… ai este corpo amontoado de sucata amordaçada

Vivendo da escuridão da cidade

Sem janelas para o mar

Sem vida, sem idade,

Este amontoado de sucata

que apelidaram de corpo…

não é de prata

nem sequer oiro maciço…, mas é o meu corpo, o corpo de matar!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 18 de Janeiro de 2016

domingo, 17 de janeiro de 2016

Sim, sim, Clarissa, meu amor, sim…

Clarissa, meu amor, este presídio humilhado na humidade nocturna das estrelas invisíveis, a falta da minha mãe ao acordar
Amo-te meu filho,
Quando não me apetece acordar, quando não me apetece… tu sabes, Clarissa, meu amor, tu sabes que este presídio é feito de espuma, branca, com círculos de desejo, se fossem gajas de Cais do Sodré? Não, não são gajas de Cais do Sodré, antes fossem, meu amor, Clarissa, antes fossem gajas de Cais do Sodré, amanhã, não sei se vou acordar, e tu,
Amo-te meu filho, e tu, e tu, Clarissa, meu amor, embrulhada nos lençóis da amargura, poisa a tristeza nos teus ombros, e por minha causa
Amo-te, meu filho,
Os dias passados junto ao mar, e tu, Joaquim… Clarissa meu amor, e tu, Joaquim acorrentado a um rádio a pilhas, o Benfica perdia, pontapeavas o balcão do café, e tu, Clarissa, meu amor
Amo-te meu filho, hoje, não, hoje não me apetece acordar, este presídio um nojo, pulgas, carraças e sonhos…, meu amor, amo-te meu filho, Clarissa, meu amor, amanhã acordarei, mãe, amanhã, Clarissa, meu amor, a tempestade na calçada, não tenho forças para regressar, então Joaquim? Vai-te “foder” meu amigo, vai-te “foder” … perdemos, sim, sim meu amor, Clarissa, amanhã a liberdade, deixo este presídio de sons e palavras, amanhã deixo este caixote do lixo no passeio em frente à nossa casa, e o homem da limpeza
Amo-te meu filho!
Pai?
Sim, sim, Clarissa, meu amor, sim…
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
domingo, 17 de Janeiro de 2016