domingo, 12 de abril de 2015

Ouves-me Meu amor?


Ouves-me

Meu amor?

Os pássaros e as flores

Têm sonhos…

Amam

São amados

Brincam nas calçadas de luz

Recheadas de flores

E promessas

A vida parece-me um cadáver

Ensanguentado

Tão frio

Meu amor

Tão frio…

O teu corpo imaginado

Que só o espelho do meu quarto

Consegue projectar

No teu olhar

Flácidas manhãs

Meu amor

Canções de cansaço

Descendo a Calçada da Ajuda

Tropeçava em ti

Meu amor

E caia junto ao rio

Completamente

Meu amor

Embriagado pelas palavras do teu silêncio

Adormecido

Tristes

Ausências

Sem

O destino

O menino

Dos calções

Galgando marés de inferno

Ao pequeno-almoço

Torradas

Leite

Café

O barco

Cambaleando na solidão do vazio

Demoradas veias de argamassa

As construções erguiam-se até a Céu

Sentia todas as manhãs

O cheiro das palavras

Tão frias

Como o teu corpo

Meu amor

Do mármore cancerígeno

O teu sorriso vestido de esperança

O dia estava tórrido

E

Tombava no pavimento das lágrimas

A parada

Uma velha espingarda

Meu amor

Os pássaros e as flores

Sonham?

Amam?

Se apaixonam

Como

Nós

Meu amor?

Como sei se me amas

Se ouves todos os dias os meus poemas

Embalsamados nas ruelas da Ajuda

O frio

Teu

Corpo

Em viagem

Em gravitação

Os lençóis impregnados de desejos

Rodas dentadas

E parafusos

Os moldes

E as equações

Embrulhadas no cemitério da vaidade

Meu amor

A vida

Depois

Da morte

A vida depois da morte?

Acreditas?

Meu amor…

Os guindastes das dores de cabeça

As guitarras brincando numa eira

Longe

De ti

Que

Não

Sei

Se

Existes

Existes

Meu amor?

Como será a alvorada em Marte

Meu amor!

Descia

Descia

E

Tu

Subias

Subias

Descia

Acordava em Cais do Sodré

Trazia uma lápide de sono

Na testa

Amo-te

Ouvia-se dos paralelepípedos da razão

Os uivos do cão

Havia sempre um gajo pronto a engatar

E outro

Meu amor

E outro sempre pronto para ser engatado

Os beijos

Meu amor

Subíamos a Calçada até às cinco da madrugada

Descíamos até ao Tejo

Tu

Suicidavas-te

Depois

Eu

A olhar-te

Como hoje

Sem ninguém…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 12 de Abril de 2015

sábado, 11 de abril de 2015

Os pecados


Não sei

Meu amor

Porque poisam em mim as estória de luz

Às vezes amo-te

Não desconheço se tu

És

Um livro, um poema, uma imagem ou um triciclo em madeira

Poderias ser o regressar ao ponto de partida

Luanda

Mil novecentos e sessenta e seis

Número três

Vila Alice

 

Os berros e os espirros dos automóveis pôr-do-sol

A naftalina do olhar

Na gaveta do sexo

Imagino o teu corpo

Meu amor

Um odor de palavras

Inseminadas por uma caneta de tinta permanente

Permanente

Eu

Aqui

Nesta

Vida de “merda”

 

Nunca

Meu amor

Quis

Nunca meu amor

Quis ser poeta

Sei que não o sou

Nem serei

E nem quero

A paixão da alma

Na fala desenhada

Pela mão do murmúrio

A aldeia em chamas

 

E os transeuntes

Entre estradas de gelo

E bermas de cansaço

Não

Meu amor

Não existem noites coloridas

Em sapatos em verniz

Bicudos

As calças embrulhadas nos tornozelos

E os ossos embalsamados

Alimentava-me dos teus lábios

Meu amor

 

Perdi

Tudo

A imagem da tridimensional alegria

Hoje

Sou

Um

Gajo

Triste

E tímido

Como as andorinhas da tua casa

Os torrões de açúcar dos melancólicos teus seios

Sou

 

Um

Gajo

Triste

E tímido

Hoje

As equações dormindo debaixo da cama

(o gajo está apaixonado)

Os palermas acreditando que

Amanhã

Um

Gajo

Tímido

 

Tão cinzento

Como a própria noite

Sem vaidade

Número de polícia

Ou

Ou cidade

As máquinas assassinam

O dormitório do prazer

A cama

Meu amor

Desfeita

Em aventuras de algodão

 

E

Não

Não pertenço aos teus símbolos de sombra

Deixei de ter janelas

E portas

A minha casa

Sem

Telhado

Sem

Meu amor

Não

Não esta triste cidade

 

Sem shots de tristeza

Ou

Sexo

Barato

Sabes

Meu amor?

A inveja é uma chávena de café-com-leite

E torradas

A neblina invade

Os

Teus olhos

A neblina invade os teus olhos

 

Entre cartas e telegramas

Mãe?

Sim

Meu amor

Fui

Assaltado

Stop

Envia

Dinheiro

Ok

Beijo

Não meu amor

 

Não sei a cor dos teus olhos

Nem da tua pele

Não

Não meu amor

Amanhã é sábado

E não sei se te amo…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 11 de Abril de 2015

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Marés de insónia


O cansaço

Das palavras tuas

Que vives dentro de mim

Acordas-me

E manipulas-me

Nas tuas mãos

Sou um boneco de sombra

Um esqueleto envelhecido

Sem tempo para amar

Amado

O sofrimento

O cansaço

Acordas-me

Nas tuas mãos

Sinto a alvorada voando em pedaços de cinza

A alma dos cigarros

Suspensa no meu peito

A vida é um espelho sem nome

Um coração de pedra

Esfomeado

Galgando as ruas desta cidade

Embriagada pelo silêncio nocturno

Dos corpos sobrepostos

Entre paredes

Os gemidos da madrugada

Sentidas

Manhãs em sargaços nevoeiros de espuma

Os teus lábios

Meu amor

Sem sílabas para conversar

Os teus olhos

Despedidos pela sonolência da paixão

Amar

Amar

Meu amor

Sem saberes

Que as cancelas da solidão

Apodrecidas

Viajam

Na morte

E mesmo assim

Dizes que amas os candeeiros de prata

Escondidos nos edifícios anónimos

Dos pássaros de papel

Da morte

As viagens

Entre rios

Mares

E marés de insónia

Apaixonadas lareiras do prazer

Quando o sémen de chocolate

Invade os textos não escritos

Secretos

Sem dedicatória

Meu amor

(O cansaço

Das palavras tuas

Que vives dentro de mim

Acordas-me

E manipulas-me

Nas tuas mãos)

O autógrafo no teu rosto

Para…

Com amizade

Abraço

Beijos

Amo-te?

Talvez sejas um cortinado melódico

Na boca do poeta

Talvez sejas uma metáfora

Entroncada na ferrugem da vertigem

Quando as articulações cedem…

E o extinto luar

Se despede do teu corpo

Ficas louca sobre a cama do saber

E nas personagens invisíveis de mim

Sobre ti

O cansaço

De estar vivo

E olhar-te

Sem saber

Que

Amanhã

Serei um pequeno parágrafo esquecido numa folha de papel…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 10 de Abril de 2015