sábado, 7 de fevereiro de 2015

São horas de acordar, a noite camuflada nas ombreiras da solidão levita entre mim e o espelho sifilítico da memória, sinto na minha algibeira a praia da infância, olho nos teus olhos o medo de me perderes..., e sabes que nasci perdido, nasci numa cidade de sombras, cacimbo e insónias,
Os teus gemidos,
Hoje?
Palavras travestidas de amor que os braços do prazer acariciam, amam, Hoje? Os teus gemidos de prata rodopiando a lareira do amanhecer, vou à janela, e grito o teu nome
Hoje?
Não existes, és como a cidade da minha adolescência, sem horários, sem morada fixa, ou... ou número de polícia, e as tuas cartas encontravam-me no amontoado de escombros com cheiro a poesia,
Eu, eu tremia,
São horas de pegar tua mão e beijá-la, como se beijam as cartas adornadas com corações e flores perfumadas, e eu
A Poesia,
E eu igual ao espelho que vive no meu quarto e me acompanha nas manhãs de Primavera,
O teu corpo sempre igual, escultura abstracta da caligrafia envenenada pelo sexo embainhado nas canções de viver,
A Poesia...!
Morreu,
E o poeta...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Fevereiro de 2015

Recordações tridimensionais

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A tela vazia e só
no centro do alpendre doirado
as palavras embalsamadas
que se misturam nas cores adormecidas
por uma mão em descanso
com medo de conversar...
a cidade engolida pela sentença do amanhecer
dormir
e não acordar
quando as imagens se despendem da noite embriagada
não regressar aos teus braços
nunca,

até que a ponte se transforme em alegria
e a madrugada
comece a desembrulhar a tela vazia,

as equações do prazer
na ardósia eterna da paixão
o silêncio Deus envenenado pelas sombras dos lábios narcisados
a fala entranhada nas montanhas do abismo
e o corpo desenlaça-se do secreto olhar das amendoeiras em flor
a tela
nua
apaixonada pelas recordações tridimensionais do rio minguado
as areias húmidas sobrevoando o teu corpo de porcelana
até que a ponte...
e a madrugada...
apareçam para desembrulhar a tela vazia.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Fevereiro de 2015


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Vivíamos numa casa adormecida, tão triste, meus Deus, e tão bela, escrevia nas paredes do quarto e via as minhas palavras engolidas pela humidade, eu era uma criança, tinha sonhos, e o eterno medo do silêncio, quando me deitava e antes de dar um beijo de boa noite ao candeeiro... não rezava porque nunca rezei..., mas
Silêncio,
Mas sonhava, desenhava figuras geométricas nos lençóis da tempestade, sacudia as infames equações do orgasmo, e
Silêncio...
Que roupa vou vestir amanhã, mãe?
Silêncio,
E depois dos desejados sonhos do meu candeeiro
Porque nunca rezei,
A noite finalmente tomou conta de mim, abraçava-me, pegava-me na mão e levava-me até ao cais dos assombrados marinheiros, os barcos em pequenas romarias à esplanada do sexo, sentavam-me, olhavam a funcionária... e levantavam-se
Ela é muito gira,
Achas?
Gira Gira... é a minha vizinha,
Como?
Silêncio,
Inventávamos poemas no corpo embalsado que uma tia rica lhe tinha oferecido, coisas de ricos,
Como?
Gira Gira...
Que roupa vou vestir amanhã, mãe?
Silêncio,



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Fevereiro de2015