segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Em círculos


Sem pressa de caminhar sobre as nefastas palavras de chorar
o fogo das tuas mãos que iluminam esta cabana de chita
o teu sorriso... impregnado no meu silêncio...
enquanto me recordo em frente ao espelho da solidão
sou um vadio navegante
deixei de saber como era
quem era
apenas recordo algumas das imagens
muito sombreadas
como uma nuvem de carvão
voando em direcção ao mar
sem rumo... sem... sem luar,
esta esplanada de incenso
que durante anos arde no meu peito
o odor da tua pele nas paredes em lágrimas
a janela amortalhada
quase a esquecer-se da minha existência...
permaneço neste barco
em círculos
em quadrados imperfeitos
gaguejando
às vezes
às vezes sem perceber porque o meu corpo se evapora ao anoitecer
sem rumo... sem... sem luar,
sem palavras para escrever...
sem pressa de caminhar
vivo e habito nos teus lábios prateados
vivo e habito nos teus seios... como desejos parvos
sem cigarros no tecto da insónia
vivo e habito
em círculos
em quadrados imperfeitos
em parábolas moribundas
e cansadas...
como eu
sem rumo... sem... sem luar!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Outubro de 2014

domingo, 26 de outubro de 2014

O sonâmbulo diplomado


Habito este túnel íngreme dos ossos argamassados
pareço um sonâmbulo diplomado
sem braços
sem pernas...
sem... sem sonhos
habito esse teu corpo desgraçado
sobrevoando a minha sanzala
sombreando o pecado,
habito este túnel desgovernado
galgando as montanhas da solidão
gritando
gritando... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”,
ai estes sons que se entranham nas minhas asas de plátano envelhecido
este túnel sem luz
ou... saída para o infinito
habito
em ti
como se fosses uma gaivota poisado junto ao Tejo
me olhando
me dizendo... “o amor é uma roda dentada com dentes enferrujados”.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014

As cordas da paixão


Esta seara de trigo
que ele deixou nos braços do vento
do cansaço construiu o sofrimento
e hoje vive no planalto da inocência
como uma sombra sem infância
dos palhaços voadores
viveu
e cresceu
na laminada sonolência que os fantasmas trazem ao peito
era um desajeitado poeta sem palavras
mendigo nas horas vagas...
esta seara de trigo onde habitam as húmidas mulheres de gesso,
perdeu-se numa calçada
a última vez que foi encontrado...
brincava
sonhava
dentro de um crocodilo de prata...
poeta desassossegado
poeta despedido das avenidas incendiadas
corpos em chamas
sexos murchos...
embriagados poemas...
e fotografou o amor no Tejo longínquo
como uma gafanha apaixonada,
esta seara onde te escondes
e desenhas
o meu sorriso envergonhado
olho a fotografia do Tejo longínquo...
não te reconheço
não sei quem és...
e o odor do teu corpo foi ancorado aos cais da despedida
um adeus ácido alicerçou-se nos meus cabelos...
veio a noite
e toda a aldeia sob uma podridão de gotículas inanimadas...
porque esta seara
não pertence às cordas da paixão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 26 de Outubro de 2014