terça-feira, 16 de setembro de 2014

O pedinte decapitado


Os meus olhos são a prisão invisível do silêncio cinzento,
há no meu triste rosto uma pequenina lágrima de arsénio,
um composto,
submergido no desgosto,
que a tempestade transporta para o oceano de pedra,
os meus olhos são a alegria do pedinte decapitado...
homem iletrado,
que sofre com os solstícios envenenados,
uma parede se escreve,
e uma parede se desenha,
o papel angustiado das minhas palavras torna-se numa pesadíssima forca de luz,
e dos meus olhos... o silêncio cinzento,
e do meu corpo a sibilada melancolia,
o relógio um fantasma com braços de medo,
e eu, coitado, ao lado do pedinte decapitado...
manhã cedo,
o sorriso da morte que bate à porta de entrada do meu peito,
sem sorte, o pedinte decapitado sorri, o pedinte decapitado... dança na eira granítica da solidão,
os meus olhos sempre foram uma prisão,
com grades em pálpebras de azedume amanhecer,
nunca quis pertencer à madrugada,
nunca... nunca quis acordar e abrir a janela da saudade...
estes riscos e rabiscos sem nexo,
estas palavras decepcionadas, más, cansadas,
que a noite mistura na paleta do inferno,
os meus olhos são a prisão invisível da cidade adormecida,
uma cidade sem nome,
e... e esquecida,
uma borboleta que canta e nas horas vagas é pianista,
o pintor apaixona-se pela pianista,
e o pedinte decapitado...
sentado no telhado a construir barcos,
e não percebe que não existe mar...
e que o mar apenas vive nas telas do pintor...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O ausentado


Tão longe, esses olhos escondidos no silêncio da minha mão,
tão perto, a tua fotografia a preto e branco suspensa no estendal da solidão,
sentado, escuto, e olho, e sonho...
sentado felicitam-se pela minha ausência,
torno-me invisível, I N V I S Í V E L...
e... e tão pequenino... que nem uma qualquer página de jornal me consegue encontrar,
dizem, quando passam por mim, que enlouqueci,
escrevem nas paredes do meu corpo...
“AUSENTE”,
e um ausentado não sofre,
não chora, não sente,
e... e não quer ser amado,
repito,
sou um simples AUSENTADO,
tenho asas,
tenho ventos nas minhas pálpebras de diamante,
e... e repito,
não,
não quero ser encontrado,
tão longe, esses olhos...
desejam-me como um esqueleto formatado,
e há quem pense que eu sou uma antiga disquete...
não, não o sou,
impossível... impossível formatarem-me,
tão perto, a tua fotografia a preto e branco...
e já me apelidaram de banco de jardim,
de árvore,
gaivota,
apelidem-me de tudo o que quiserem,,,
mas prefiro ser um AUSENTADO,
do que estar presente e pertencer ao amanhecer dos formatados,
porque não um falhado?
um falhado de fato e gravata,
de jornal com três dias de atraso debaixo do sovaco,
agacho-me,
e com o lenço de linho dou graxa aos sapatos...
Ai... anda por aí tanto engraxador,
que me farto,
que me cansa,
que... que não encontro explicação para pertencer ao amanhecer dos formatados,
antes um AUSENTADO...
mesmo sendo um AUSENTADO falhado...
do que um engraxador diplomado,
um... um engraxador fornicado...!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2014

domingo, 14 de setembro de 2014

Enxada do cansaço


Quem és tu marinheiro
que habitas o meu corpo salgado...
que me aprisionas aos rochedos do medo
e te escondes nos esconderijos do silêncio
invento nomes
quando ela passa por mim
como o luar agachado na madrugada
de mão dada
com uma loira menina
como os muros de xisto
de socalco em socalco
oiço a enxada do cansaço lapidar os corações de pedra
e tu
marinheiro
dentro de mim como uma jangada
quem és tu marinheiro
que apodreces os meus ossos de cristal
e ela
tão bela
sem nome
sem... sem pedestal
caminha
palminha
os montes de papel com odor a amanhecer
sentada numa esplanada de brincar
oiço-as
as enxadas amaldiçoadas
no altar do Oceano
mulher que me acorrentas às palavras
e sofro
e sinto no meu olhar o teu nome que não o sei
quem
quem és tu marinheiro
que habitas o meu corpo salgado
meu amor
vou apelidar-te de Caravela
sem vela
sem rumo
correndo o meu corpo salgado
e tu
marinheiro
serás eternamente o meu comandante
que a solidão guiará até ao cais da ansiedade...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 14 de Setembro de 2014