quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Três círculos de luz

Uma casinha habitada por pequeníssimas lâminas de papel,
um coração de cacimbo voando sobre as sanzalas com telhados de insónia,
um homem, um poeta..., e a amante do poeta,
um corpo pendurado na preia-mar,
que espera o regresso do sonâmbulo cansaço da madrugada,
o silêncio disfarçado de mendigo passeando-se pelas ruas da cidade,
uma janela que nunca, que nunca se abre,
um poema nas mãos da clarabóia com braços de luar,
uma casinha,
e lâminas de papel,
um sorriso, um desejo... e três círculos de luz nos lábios do pôr-do-sol,
o sonho...

As paisagens pigmentadas nas paredes da casinha,
as palavras acorrentadas no estendal poético,
uma eira deserta, uma eira de vinil girando na noite...
e o sonho,
e o lugar que me falta alcançar antes de morrer,
a escola morta, a escola um amontoado de escombros,
cadernos apodrecidos,
quadriculados momentos que ficaram sob a árvore de sisal,
um menino brincando com um velho “chapelhudo”...
e um triciclo com o assento em madeira,
o mar, o mar do Mussulo em tracejadas rotações de amar,
no sonho, no sonho de voar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 14 de Agosto de 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Versos anónimos


De que servem estes versos anónimos...
palavras suicidadas em manhãs de Primavera,
canções de adormecer,
quando da noite apenas existe uma rebelde vontade de navegar,
um barco à deriva, um barco procurando nas mansardas equações diferenciais os insignificantes corações de areia,
um corpo circunflexo esquecido na insónia,
de que servem...
estes versos anónimos,
palavras cansadas das mãos deste poeta,
palavras magoadas, palavras assassinadas pela voz deste poeta...
de que servem estes versos travestidos,
esperando junto ao cais o amor regressar do infinito,

Sou uma caneta de tinta permanente,
uma velha folha de papel que embrulha meia dúzia de peixes...
mortos,

De que servem estes versos se o amor é um telhado de vidro,
vem o granizo... e pluf... pedacinhos de desejo voando em direcção aos teus lábios,
ruas recheadas de transeuntes famintos,
comem as minhas palavras,
comem-me... enquanto eu escrevo as palavras comidas pelos transeuntes... famintos,
há sempre uma garganta em volúpia madrugada que o teu olhar esconde,
há sempre um estendal onde habitam bonecos de palha e bonecos... de palha,
sangrentos,
os rochedos onde poisam os teus seios,
esperando as minhas mãos de silêncio...
entro em ti, absorvo-te como se fosses um grão de pólen,
entro em ti, e... e percebes que eu sou o mar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 13 de Agosto de 2014

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Indígenas marés


Embrulhas-te no medo,
De amar…
… e de ser amada,
Mergulhas nas indígenas marés que habitam o teu corpo em desejo,
Passeias-te nos rios da saudade,
Como se existissem em ti neblinas prateadas,
Embrulhas-te e mergulhas,
Nos pássaros de papel que poisam nas árvores de brincar,
Ficcionas o jardim do beijo como se ele fosse um simples texto,
Um poema ainda não escrito,
E ambicionas veemente a mão do poeta…
Acariciando a tua pele de pergaminho silencioso,


Finges não ser desejada,
Como se o desejo fosse uma tempestade…
Ou… ou um suicídio premeditado,
Um homem suspenso nos teus lábios,
Procurando uma sanzala,
Ancorado aos teus braços de murmúrio angustiado,
Embrulhas-te no medo,
De amar…
… e de ser amada,
Vestes-te de madrugada embriagada,
Dançando nas nortadas dos sorrisos alienados,
E não percebes que dois corpos são um espelho convexo no olhar de uma rosa dourada!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 12 de Agosto de 2014