quinta-feira, 10 de julho de 2014

Não, não me obrigues a voar!


Não alimentes a minha fome,
porque eu não quero comer,
não, não grites o meu nome...
… porque sem a tua mão sou capaz de viver,

Escrever,
e... e sonhar,

Não alimentes a minha fome,
não cerres toas as janelas do meu olhar,
não me peças para chorar,
não, não sei chorar...

(escrever,
e... e sonhar),

Não alimentes a minha fome,
não quero os teus lábios de ciclone,
vagueando no meu peito, sobrevoando os meus cabelos tristes,
não,
porque insistes?
que eu seja o que nunca quis ser,
não,
não quero comer,
não,
não quero correr...
apenas quero ser o mar,
com lençóis de amanhecer,

(escrever,
e... e sonhar),

Não, não me obrigues a voar!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 10 de Julho de 2014

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Pedra de sentar


Esta pedra de sentar,
o sonho quando se apaga e voa sem que ninguém o consiga alcançar,
esta poeira cristalina sem encontrar o mar,
este verso prisioneiro da maré, pontapeando a sombra do sono,
uma cama me grita, e eu, eu obedeço,
me deito, adormeço,
esta pedra de sentar,
alucinada como os botões de rosa de odor a madrugada,
este meu corpo acorrentado ao velho Cacilheiro,
correndo, andando, estropiando o Tejo envergonhado,
este meu olhar cerrado,
como nuvens de papel, como algodão doce na mão de uma criança...

Pedra de sentar,

Esta pedra de sentar,
disfarçada...
disfarçada de amar,

A morte alicerça-se-lhe e ele acredita na pedra de sentar,
vai à janela... sem se levantar,
das árvores que observa, há uma que lhe acena, e o cumprimenta,
come uma sopa, e... e ela, o alimenta,
ele acredita que no próximo amanhecer, uma gaivota o vai visitar,
então, ele, fica esperando na pedra de sentar,
como um rio, ou... ou como um mendigo saboreando a noite,
vai às putas, e esquece-se de regressar...

Esta pedra de sentar...
deprimente sobre a pele encaracolada da tempestade,
ele, ele não sabe que do outro lado do rio, há uma cidade,
ele, ele não sabe que do outro lado da cidade, há um esconderijo,
um jardim empedrado, e que na lapela usa um lenço colorido,
detesta todas as gravatas,
detesta todos os lençóis com o aroma a cansaço,
detesta um simples abraço,
esta pedra de sentar,
irrita-me, e até parece um esqueleto com pernas de chocolate,
com olhos de solidão...
esperando, esperando... esperando a alegria acordar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 9 de Julho de 2014

terça-feira, 8 de julho de 2014

A clarabóia das lágrimas


Esta tenaz vagarosa mergulhada nas minhas palavras,
da lareira do silêncio, oiço as moléculas transparentes do amor,
sufocam-me, alimentam-se do meu cansaço,
o cansaço de escrever,
o cansaço das palavras,

A lanterna do teu olhar, cega-me, transforma os meus olhos em pedaços de papel,
e nele... escrevo as palavras que ninguém... que ninguém lê...

Não sou capaz de desistir,
partir para outros Oceanos, mais calmos, tranquilos... como os teus braços,
há sempre um espelho que transporta o meu rosto para o futuro...
envelheço, e sento-me num abandonado banco de jardim com uma concertina na mão,
e dela sinto em mim as recordações das tempestades voluptuosas...

Não há um fim, apenas o passar de uma parede negra... para uma outra, a curta distância...
uma parede castanha, alvenaria com cicatrizes comestíveis,
flores,
tenho as flores que sobejaram do jardim ardido na lareira do silêncio...
e deixei de ter o pavimento térreo que me acompanhava nas horas indolores do meu pulso,

A lanterna do teu olhar, cega-me, transforma os meus olhos em pedaços de papel,
e nele... escrevo as palavras que ninguém... que ninguém lê...

E ninguém quer...

Esta tenaz vestida de forca,
embrulhada numa túnica branca,
há uma porta dos fundo que me serve de escapatória...
um ponto de fuga, um simples ponto triste, um ponto tridimensional esquecido na solidão,
e ninguém quer...

Que... que a clarabóia das lágrimas ressuscite da montanha!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 8 de Julho de 2014