sábado, 6 de julho de 2013

Será que ela tem janelas no peito?

foto: A&M ART and Photos

Vivíamos perto da fronteira com a loucura, havia flores que nunca acordavam, e quando o faziam, sonolentas, pareciam vadios homens deambulando as paredes frias, finas e escuras, do corredor com acesso a lado nenhum, um postigo embriagado, todas as manhãs se abria como os olhos das borboletas quando as pálpebras do silêncio se dilatam, aumentam de volume e começam a chorar, o dia clareava em duodécimos, e pouco depois, digamos que
Tempo de mais,
Elas apareciam vestidas com roupas leves, de cor branca, com o aqui e além, dispersas em sacrifícios de momentos devastados pela chegada da tempestade e partida da solidão, dizia eu, algumas rosas em puro linho, que ao longe mais pareciam janelas, ainda mergulhei-me em pensamentos parvos
Será que ela tem janelas no peito?
Claro que não, claro que não, e pitosga como sou, facilmente confundiria uma palmeira com um beijo, ou
Será que ela ainda pensa em mim?
Ou
Claro que não, claro
Que esperavas, tu?
Eu?
Sou um tipo porreiro, tenho amigos em todo o lado e ainda ontem
Claro que não, Alice, claro que não,
E ainda ontem recebi uma carta (mesmo carta, em papel, com letras desenhadas a caneta e perfumada) cujo remetente era algures da Lua..., como vês, minha filha, o teu pai começa a ficar famoso,
Se eu penso em ti, Alice?
Claro que sim, claro que sim, não, não é engano, o remetente é mesmo da Lua...,
E ainda ontem, Sábado, vi pela ultima vez o teu corpo nu e estranhamente escrito com as minhas palavras, estranho não é? Se eu penso em ti, querida Alice? Claro
Mas ontem foi Sexta-feira..., então foi hoje,
Claro que penso, claro que penso nas palmeiras esperando o regresso do final do dia, o velho Francisco desce cuidadosamente os cortinados do desejo sobre as labaredas do teu corpo a transpirar poesia e pequena literatura, diga-se
(de merda)
Diga-se que sim, que tenho saudades das palmeiras, e da tua voz quando disfarçada me melancolia, quando timidamente me dizias
Amo-te João,
Me dizias que as palmeiras inventavam fotografias, e que ainda hoje, Claro que sim, querida Alice!, que ainda hoje espero pela chegada da tenda do circo onde vivem as tuas mãos, aquelas, Recordas-te, querida Alice?
Sim, aquelas que te afagavam o cabelos...
E depois de me cerrares as pálpebras... eu adormecia no teu débil peito de seios minúsculos, como o vento, aturando limões contra os vidros das janelas, aquelas que eu pensava serem janelas, e que nunca passaram de rosas bordadas pela tua avó...
O que será feito da tua avó, Alice?
Um dia, como nós, simples partículas de poeira viajando pelo espaço escuro e frio, e responder-te-ei...
Claro que sim, Alice, claro que sim, as palmeiras.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Terei em mim as sobejadas tuas lágrimas?

foto: A&M ART and Photos

Terei em mim as sobejadas tuas lágrimas?
E as tuas algas, meu amor,
como conseguem elas sobreviver sem as minha mãos...
sem o meu olhar,
terei em mim as algemas flutuantes do silêncio
quando apareces no espelho da noite
e começas a cantar
sorrindo,

Sou uma gota de água salgada
que voa nas clarabóias do teu doce cabelo
sou uma gaivota disfarçada de gota de água...
que te ama quando deitas a tua cabeça no meu peito confeccionado com as pobres pétalas
do xisto laminado da paixão,

O amor dispara palavras contra os uivos meninos da cidade dos abismos
sentavas-te nos corredores da noite como se fosses uma árvore
uma menina vestida de árvore
como as tuas algas e os teus peixes e a rosa que deixaste no interior de um velho livro...
o amor disfarça-se de madrugada
e assim, nós, os eternos amantes, dormimos parecendo pássaros envenenados pelo cacimbo,

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha