terça-feira, 14 de maio de 2013

As janelas do Outono

foto: A&M ART and Photos

Dissimulávamos-nos entre as raízes poeirentas
dos velhos candeeiros a petróleo
deitávamos-nos sobre uma velha secretária em madeira apodrecida
e rezávamos
como personagens de um livro de insónias sobre o divã da saudade
percebia que os teus olhos
os olhos meus contra a cortina de fumo que alimentava o eterno silêncio
desejo
desejando palavras indesejadas
como nós
havíamos um dia de recortar as imagens das nossas cartas perfumadas
e suspendê-las ou decalcá-las... ou simplesmente... queimá-las contras os vidros das janelas do Outono,

Havia um corpo ancorado ao teu
que confesso... nunca percebi a sua história de cadáver sem sonhos
voando entre as montanhas dos pássaros encarnados com telhados de vidro...
ouvia
ouvíamos os ossos do esqueleto incompleto das tuas coxas ranger como gonzos
durante a noite construída em mentiras
e falsas imagens
com legendas tridimensionais
incolores
sofredoras como os bancos de madeira onde nos sentávamos...
que coisa... esta nossa vida
de equação de Einstein...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos

foto: A&M ART and Photos

Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste, escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas, escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão, poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável, não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos, difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos, apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me, subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje, procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba, nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas, o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão, lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens, novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes, do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios, eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

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segunda-feira, 13 de maio de 2013

a luminosidade eira dos sonhos

foto: A&M ART and Photos

uníamos-nos como silêncios rochedos que o mar absorvia
e de uma pequena palavra escrita tua mão docemente desabitada
tínhamos uma janela quando a abríamos-la e poisávamos-nos como ramos de oliveira
numa orgia manhã magoada no fundo de um poço
um efémero buraco com triângulos lábios
e de uma pequena... conversa de criança
a palavra descrita quando o corpo evapora-se e acompanha a manhã
hoje é segunda-feira e tudo desaparece conforme a luminosidade eira dos sonhos...

uníamos-nos como silêncios,

em prata folhas alimentadas por sombras de alecrim
abríamos-la com os pequenos sorrisos dos aleijados desenhos
que eu sem jeito nem perfeito
deixei cair nas escadas do ausentado mestre da solidão canina
parecíamos uns velhos alicates enferrujados
esquecidos à porta de uma velha tasca
na cidade grande com ruas estreitas e muitas janelas de tecido...
e sabíamos que era noite pelos uivos apitos dos marinheiros de palha.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha