terça-feira, 9 de abril de 2013
segunda-feira, 8 de abril de 2013
A rua dos Caracóis
Não, tenho medo de perceber que a noite acontece,
apenas, e só, porque nos teus olhos cresceram as margaridas das
madrugadas em flor – Desculpa, onde colocaste a pilha de livros que
estavam sobre a mesa da cozinha? - sei lá, talvez, e... - Porquê? -
Olha... já viste na casa de banho? Não, tenho medo de
(trazias no bolso a caixa de fósforos, na camisa,
sempre acreditei que fossem cigarros, não, não eram, e medo, só, a
escrever, sentado sobre um pedaço de xisto, só com duas, colheres,
de, prata, sim, eram de prata, e depois ouviam-se-lhes os guisos
melódicos das palavras por escrever, mortas, nunca escritas, porque
a saudade é de borla, pintavas as telas com acrílicos mergulhados
em bagaço, o Conhaque sabia-te a Primavera sem nuvens, sem lágrimas,
sem...)
Eras bela, diziam todos os espelhos dos guarda-fato
da rua dos Caracóis, e – Porquê? - e porquê o quê? O amor,
sabes o que é? Sei o que são rios fingidos como as ervas junto à
eira de Carvalhais, e tu
(sentava-me no degrau do palheiro, e quando o vento
batia no espigueiro, ouvia, tenho a certeza, ouvia poeticamente os
Fingertips sobre a ponte do rio Sul, nas Termas, os patos silenciados
pelas cascatas de areia dos olhos tricolores das meninas que
brincavam junto às ruínas dos balneários Romanos, e além de ouvir
os Fingertips, via o Rei e a Rainha, coitados, tão tristes, e tão
belos, e assim se curou o primeiro Rei de Portugal e a última Rainha
de Portugal, eu olhava a ponte e apetecia-me abrir os braços e...)
E tu parecias janelas construídas em madeira
envelhecida, e sempre encerradas, perdoa-me, mas... tenho medo, do
vento, das palavras, das ruas e dos gritos dos pinheiros em castelo –
E do silêncio que vinha dos espigueiro recheado de espigas de
milho... - e não havia luz que iluminasse as tristes mercearias da
rua dos Caracóis, sem candeeiros, sem transeuntes, sem palavras ou
traficantes – Uma rua sem traficantes é como um jardim sem flores
– ou como um homem sem mãos, ou uma mulher sem pétalas de rosas,
e nós tínhamos as canções de Outono regressado dos perfis
laminados do inferno complexo de rochas em papel, desenhos na
traseira das portas das casas de banho – Fulano é um corno – ou
– Imagina a mulher da tua via... agora, imagina-a a cagar – ou –
Me liga amor, me liga – e mentalmente fotografava a preto-e-branco
as imagens sem literatura, poucas palavras, como as ervas junto ao
palheiro, que, de vez em quando, olhavam, acariciavam... o velhinho
espigueiro de
(Carvalhais à solta, terreno abaixo, ribeiros
submersos em musgo caligrafado pelos olhos das moscas em delírio, e
assim, quando o relógio de pulso abria a boca, quando abria,
sorria-me em trinta e cinco suaves prestações, e eu, eu
recordava-me da tapada com o pulmão ensanguentado de pinheiros,
fieitos, e pequenas coisas que o avô guardava dentro de um envelope,
e depois, enviava, pelo correio, sem destino, sem direcção, sem
nomes, até que um dia descobriu o casebre do monte Desgraçado, e
chegava derreado, o Domingo de Páscoa)
Endurecido pelas chamas do insignificante poema à
menina Sem Nome, com uma simpática estrutura de madeira assente
sobre um esqueleto de pedra, os ossos rijos – Como vão esses ossos
Avô Velhinho? - e ele dizia-nos – Tal como quando regressei de
França, da Primeira Grande Guerra, meu rapaz – e apenas com uma
mão fazia o que eu nunca consegui fazer
(fazer um cigarro)
Tentei, tentei... e desisti quando percebi que os
carris onde circulava um comboio de espuma, aquele que às vezes
aparece nos sonhos dos meninos, tinha desaparecido, como
desapareceram, o palheiro, a eira, o espigueiro e a casa, e quanto à
tapada
(fugiram todos os pinheiros mansos)
E os cigarros em prazer de ácidos e argamassas com
chocolates embrulhados em telhas de vidro, e sabíamos que as bolas
de golfe brincavam sobre a secretária, depois, tínhamos os
cachimbos, uns em madeira, dois em vidro e outros dois de espuma do
mar, um de água, e um livro com fotografias onde habitavam corpos
despedaçados, horrível, horrendo, frágeis as minhas tuas mãos
quando nos sentávamos no banco de madeira em frente aos Correios...
e não, foi fuzilado por promover o amor, condenado, foi mandado
destruir pelas mãos do Presidente da (de) Câmara, e hoje apenas uma
fileira de árvores solitárias caminha nocturnamente depois de cair
o cortinado da lua, baixam-se as persianas, retiras o penoso soutien
de veludo... e – Apetece-me pegar-te na mão e inventar o mar no
teu peito! - e eu, apressadamente, erguia âncoras e íamos até ao
infinito...
(fugiram todos os pinheiros mansos).
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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5070 Alijó, Portugal
domingo, 7 de abril de 2013
Papel-químico
foto: A&M ART and Photos
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Descia a rua e ninguém a cruzar-se comigo, sentia-me estranho e
só, e todas as montras dos estabelecimentos comerciais, tapadas com
jornais velhos, provavelmente encerradas, por ventura, há muito,
pois as teias de aranha transpareciam para o exterior, havia um
cheiro bafiento, penumbro, um cheiro a abandono, como aquele
característico cheiro de quando somos abandonados por alguém e ao
passarmos na rua – Coitado, cheira a abandonado – e aos poucos a
tarde mergulhava no papel-químico para ser reutilizado na tarde
seguinte, talvez amanhã, talvez depois de amanhã, ou... talvez
nunca,
Tínhamos um cão rafeiro com olhos castanhos, pêlo curto, dentes
afiados como lâminas de barbear, e quando se chateava comigo, eram
os meus tornozelos que o pagavam, a fúria e o rancor, a maldição
sobre a minha presença, e parece que nunca gosto muito da minha
sombra, berrava-me e quando eu regressava tardíssimo a casa, lá
esta ele à minha espera, como se eu precisasse de alguma coisa, ele,
ele ajudar-me-ia... coitado do infeliz, coitado daquele que acredita
que pode, e no entanto, pouco ou nada poderá fazer, a não ser,
ladrar, ladrar e ladrar... coitado do Noqui I, como todos os cães,
ladrar, ladrar e ladrar – Havia sorrisos de açúcar sobre a mesa
das toalhas brancas – e hoje pergunto-me a razão de todos os
rafeiros pertencerem a uma classe de fanfarrões, que não aguentam
com um estalo no focinho, como os homens, e as pombas e as formigas
Pegava no papel-químico de anteontem, e colocava-lhe em cima um
laço azul-escuro, e depois abria a janela e mergulhava-os no Sol de
fim de tarde, regressavam as imperiais e o prato com tremoços,
quatro o cinco, às vezes, seis, marinheiros sem embarcação
definida – Queres dizer... desempregados? - não, não, marinheiros
apenas de patente, marinheiros de esplanada, e quase no encerramento
do dia, quando Deus com os seus assessores, faziam a contabilidade do
dia... tínhamos sobre uma mesa redonda, e frágil, “cuidado –
Frágil - “ aproximadamente oitenta copos de vidro, vazios,
solitáriamente como andorinhas e botões de rosa,
E as formigas subiam árvore acima até encontrarem o fruto
embrulhado em papel-químico, este, o de ontem, reviam o dia,
visionavam as imagens sombreadas pelos lápis de cor das crianças da
rua dos Alecrins, e uma senhora de bengala e óculos de sol, a que
todos chamávamos de Dona Maria Dona, que vivia só, sem parentesco
conhecido, pegava na bengala e corríamos como se fossemos moscas
disfarçadas de gaivotas, deixávamos cair os lápis e quando
chegávamos a casa, as nossas mães ao questionarem-nos – Os lápis
de cor? - em uníssono respondíamos que...
Fugiram, mãezinha,
Hoje desço a rua e ninguém a cruzar-se comigo, sentia-me
estranho e só, e todas as montras dos estabelecimentos comerciais,
tapadas com jornais velhos, provavelmente encerradas, por ventura, há
muito, pois as teias de aranha transpareciam para o exterior, havia
um cheiro bafiento, penumbro, um cheiro a abandono, como aquele
característico cheiro de quando somos abandonados por alguém e ao
passarmos na rua – Coitado, cheira a abandonado – e quem nunca
foi abandonado que atire a primeira pedra – É o atiras... -, e
continuam lá, as frágeis mesas de esplanada, e continuam lá, as
frágeis resmas de papel-químico dos dias passados desde mil
novecentos e oitenta e sete, lá, como continuam lá, frágeis os
queridos homens desesperados na ânsia de encontrarem companhia para
as noites frias de Inverno, como continuam lá, as frágeis mulheres,
com flores ao peito, com cabelos de chocolate, que se comiam nos
intervalos do cinema,
Fugiram, mãezinha,
Olá, sou o Francisco – Muito prazer, sou a Maria André! - mas
entre, entre e esteja à sua vontade, faça de conta que está em sua
casa – Sim, claro, sim – e as frágeis formigas, como os lápis
de cor, que quase sempre se perdiam – Os lápis de cor? -
respondia-lhe
Fugiram mãezinha, fugiram,
Que se comiam nos intervalos do cinema, à luz dos candeeiros a
petróleo, - Sopa? - não, não gosto de sopa, nunca gostei, detesto,
como detestava as formigas do quinto esquerdo, sós, sem acesso ao
sótão, ele voltou, sinceramente, e hoje, ficava lá, e hoje não
regressava, e hoje, pegava nas folhas de papel-químico do avô
Domingos, que religiosamente guardava numa caixa, e confesso que
nunca percebi para que serviam, e mais tarde vim a descobrir que
eram a cópia dos dias passados, coitado, e pegava nas folhas de
papel-químico e construía uma papagaio, o pulsar do cordel enrolado
no pulso, como um cabo de aço a prender árvores à terra com cheiro
a chuva e a fogo, ouvíamos o tilintar das carapaças dos caranguejos
esquecidos junto ao circo – O que são mangueiras? - mesmo debaixo
da roulote dos palhaços, sentia-lhes as patas da frente contra os
rodados de borracha como tenazes nas lareiras de trás-os-montes, e
estávamos tão longe, distante, e descíamos a rua, descia a rua e
ninguém me cumprimentava – Bom dia senhor Francisco! - olá bom
dia Dona Menina Dona, e seguia, olhava e não ninguém, não havia
árvores naquela cidade, barulhos, pedras de encontro às montras
escondidas pelas velhas folhas de jornal – Procura-se Francisco
Luís Fontinha – e não acredito
(Olá, sou o Francisco – Muito prazer, sou a Maria André! - mas
entre, entre e esteja à sua vontade, faça de conta que está em sua
casa – Sim, claro, sim – e as frágeis formigas, como os lápis
de cor, que quase sempre se perdiam – Os lápis de cor? -
respondia-lhe
Fugiram mãezinha, fugiram),
E nunca mais o encontraram, e nunca mais regressou, e pergunto-me,
se o jornal que enfeita a montra diz que “ Procura-se Francisco
Luís Fontinha” e se isso aconteceu há mais de dez anos, logo
A cozinha não tinha janela para as traseiras – Não percebi –
estava a brincar, porque se a cozinha fica na fachada da frente, isto
é, a cozinha tem janela para o alçado principal, pela lógica, pela
lógica a cozinha não tem janela para as traseiras do prédio, logo
Há mais de dez anos que este estabelecimento comercial está
encerrado – Não percebi! - repara, logo a cozinha não tem janela,
logo
Dou-me conta que caminho pelas ruas de uma cidade fantasma, uma
cidade que existe e não existe, digamos que – Bom dia dia menino
Francisco – olá bom dia, Dona Teresa, como está a netinha? -
Crescida e preguiçosa – Pois, pois... - como os barcos esquecidos
no Terminal de Cruzeiros da Rocha Conde de Óbidos, presos a um
cordel e um velho parecido com o avô Domingos a passeá-los rua
acima, rua abaixo, e ninguém, nenhuma pessoa, nenhuma sombra, nada
Que desinquietasse a cidade fantasma,
E nada, tal como os lápis de cor - Fugiram mãezinha, fugiram –
e a cidade, quando começava a noite, embrulhava-se no papel-químico
e entrava dentro da caixa de cartão, até que mais tarde, ele,
quando se lhe entranhava a solidão nos ossos, a abria, retirava o
papel-químico e começa a recordar imagens que nunca
Existiram,
E que ele acredita terem existido.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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