quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um seixo de aço com faces gretadas

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata para os fumadores, havia cadeiras de espuma com clarabóias de vidro para os poetas e para os amantes dos poetas, aos tropeções, havia palavras no centro do palco de mão dada com os tigres e com os leões, imaginava-me na selva Africana, e ao longe sentia os gemidos dos mabecos quando a noite se despedia das sanzalas e entrava pelo corredor do prédio da rua das Naus, sexto andar, sem elevador, ofegante tu, quando me abraçavas e eu dormia nos teus abraços,
Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, achava-te magro ao ponto de me perguntar até quando
E respondias-me que enquanto deus quiser,
E se deus não quiser, e se deus definitivamente desistir dos telegramas que te mantêm em pé como os cristais da mesa da sala antes de os levarem para a derradeira penhora, se eu pudesse, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas meia dúzia de ossos sem cabeça, e eu via a cidade engordar com os sobejos de luz que os dias deixavam esvoaçar das asas de papel das gaivotas embriagadas, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas uma mão recheada de pedras que um miúdo aproveita para partir os vidros da velha escola com olhar para os plátanos de algodão, e respondias-me que
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata,
Os abraços onde eu dormia não sentindo os sons tropeços dos rolamentos constipados pelas correntes de ar que atravessavam a montanha e escondiam-se nas traseiras da avenida vinte e cinco de Abril, todas as cidades, aldeias, todas as vilas
Um avenida vinte e cinco de Abril,
A ponte em círculos ao lado da menina sem cabeça onde dormia uma boneca com mãos de vidro e lábios de estrelas e flores imaginadas por um poeta enquanto olha o espelho da morte, e do outro lado, do outro lado estão as lágrimas da saudade, em Abril, de Janeiro até hoje, amanhã levantará amarras o pequeno circo pobre, levará a menina e a boneca, e a ponte (   )

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Histórias de açúcar

(    )

Nuas não verdadeiras doce tua vida de cidade sem rio, não verdadeiras, todas as falsas janelas com vidros de linho, falsas portas em falsa madeira das árvores que tombaram com o sono e o vento deixava-as como serpentinas de aço enroladas em arbustos com vista para o rio, havia lua, encharcadas de melodias e palavras poeticamente afáveis, belas, nuas
Nas horas de sentido único de uma rua sem saída, ao fundo, um edifício de chocolate com braços de prata, e nos olhos, pequenas pérolas em drageias para combater a insónia, tua
Doce tua,
Inventava-te histórias
Não verdadeiras,
Histórias de crianças que nasceram em Luanda, histórias de crianças que brincavam em Luanda com papagaios de papel e nas sombras ínfimas das mangueiras escondia a solidão do silêncio, inventava-te histórias, inventava-te laranjas com sumo de tomate, inventava-te o amor, e todas as palavras escritas nos muros da paixão
(e confesso que detesto conversar e inventar histórias sobre crianças que nasceram em Luanda, recordo-me das ruas, do mar, dos machimbombos, recordo-me do todos os cheiros, e das cores que a terra húmida construía nos corpos de veludo, e confesso, que detesto)
Os muros da paixão, as mãos dos muros da paixão
(e confesso)
Que detesto os lábios, a boca, os olhos
(e confesso)
Que todas as histórias que te inventei não verdadeiras, falsas, que detesto
(e confesso)
Que a primeira vez que vi socalcos, chorei, como choravam as meninas das minhas histórias de açúcar quando um fino tímido fio de chuva descia e descia, descia os socalcos e entranhava-se no Douro, e chorei
(e confesso)
A primeira vez que vi socalcos.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


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