Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço
com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora
brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos
pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de
ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava
sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da
menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do
circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de
prata para os fumadores, havia cadeiras de espuma com clarabóias de
vidro para os poetas e para os amantes dos poetas, aos tropeções,
havia palavras no centro do palco de mão dada com os tigres e com os
leões, imaginava-me na selva Africana, e ao longe sentia os gemidos
dos mabecos quando a noite se despedia das sanzalas e entrava pelo
corredor do prédio da rua das Naus, sexto andar, sem elevador,
ofegante tu, quando me abraçavas e eu dormia nos teus abraços,
Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço
com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora
brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos
pinheiros doentes, achava-te magro ao ponto de me perguntar até
quando
E respondias-me que enquanto deus quiser,
E se deus não quiser, e se deus definitivamente
desistir dos telegramas que te mantêm em pé como os cristais da
mesa da sala antes de os levarem para a derradeira penhora, se eu
pudesse, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas meia dúzia de
ossos sem cabeça, e eu via a cidade engordar com os sobejos de luz
que os dias deixavam esvoaçar das asas de papel das gaivotas
embriagadas, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas uma mão
recheada de pedras que um miúdo aproveita para partir os vidros da
velha escola com olhar para os plátanos de algodão, e respondias-me
que
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do
circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de
prata,
Os abraços onde eu dormia não sentindo os sons
tropeços dos rolamentos constipados pelas correntes de ar que
atravessavam a montanha e escondiam-se nas traseiras da avenida vinte
e cinco de Abril, todas as cidades, aldeias, todas as vilas
Um avenida vinte e cinco de Abril,
A ponte em círculos ao lado da menina sem cabeça
onde dormia uma boneca com mãos de vidro e lábios de estrelas e
flores imaginadas por um poeta enquanto olha o espelho da morte, e do
outro lado, do outro lado estão as lágrimas da saudade, em Abril,
de Janeiro até hoje, amanhã levantará amarras o pequeno circo
pobre, levará a menina e a boneca, e a ponte ( )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó