sábado, 24 de agosto de 2024

ausência

 

ausento-me da sombra e das pedras, ausento-me dos teus olhos e procuro outros olhos,

na ausência,

de

uma flor.

 

ausento-me do silêncio, e se procuro a solidão, é porque há um pássaro de luz,

na minha ausência. ausento-me da tempestade e dos teus lábios, quando um barco entra na barra,

e dorme,

no quarto sem janela.

 

ausento-me da noite e tento não pensar em ti, quando a ausência de uma estrela,

equivale a um tremor de terra, seis graus na escala da paixão,

mais profunda

do sexo.

 

ausento-me de ti. escondo-me. serei a manhã dentro de um cubo de vidro, ao perto, o mar empoleirado sobre uma pequena árvore, de desejo.

 

o vento. lamento. esconder-me

ausentar-me até da tua sombra, levemente

sorri, a lua envergonhada, apaixonadamente, só,

no murmúrio da noite.

 

ausento-me, aos poucos, de ti.

 

sonho-me. sonhei que sonhavas comigo, e é de oiro, o teu cabelo, é seara na planície de uma maçã, que acaricia o sexo,

 

em frente ao espelho, um cardo, uma papoila de luz, um cigarro desejado,

a manhã nos lábios dos barcos,

um grito,

ajuda.

um delírio, quando o orgasmo é apenas um cortinado de espuma.

 

o fantoche vestido de peixe, e todo o cardume

deitado, sobre a cama nua da tarde.

é quase, se os teus olhos tiverem o mar no azul silêncio de uma criança,

que inventa pássaros à sombra de uma árvore.

 

sonho-me. escrevo-me.

escrevo cartas a mim mesmo, não tenho amigos nem quem me entregue as cartas, e no entanto

trago comigo as chaves do luar. estrelas. pedaços de cartão canonizados num domingo, galáxias de insónia, gemidos de prazer, apenas e só

quando acorda a noite.

 

sonho-me. invento desejos nas folhas das árvores. olho o mar dos teus olhos,

e percebo…

que apenas sou um pedaço de sombra, que morre a cada pôr-do-sol.

 

ver-te, seria morrer sentado a uma esplanada de vento, quando um livro de poemas

 

ejacula sobre o açúcar,

a primeira lágrima da manhã.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

leituras


 

 

uma mão e um seio

me separam do mar. uma lágrima de silêncio se despede da tua púbis, acreditando que logo pela manhã

o poeta, aquele que e apenas ele, consegue perceber a sensibilidade,

de uma lágrima de silêncio

em despedida de uma púbis,

escreva na tua pele o primeiro poema do dia.

 

não saberia o que faço, se não escrevesse aquilo que penso, e mesmo assim,

às vezes, não muitas…

seria melhor

não o escrever.

 

às vezes, seria melhor,

não saber ler, não saber amar, não saber que o mar

é o mar.

e a lua

tem o luar.

 

às vezes, e entre a mão e o teu seio, está o mar

o doce sentido de amar, e mesmo assim

eu pertenço a todo o oceano das tuas coxas.

 

e há quem diga que eu sou tolo.

tolo. porquê, tolo?

 

Os dias estatelados ao sol na ânsia de que algum sonífero de engano

Desça junto ao rio, mergulhe na palha cortada durante a noite,

E urine contra uma árvore, e o cigarro

Despede-se de mais um violento uivo de prazer.

 

Vou começar a fotografar o teu corpo quando ele está nu e escondido no sono e procura o sémen esquecido, que durante a noite, sobejou sobre a mesa-de-cabeceira. Devo estar louco. No prateado silêncio deste complexo emaranhado de sombras e sorrisos,

Depois da meia-noite.

 

Fomos à varanda, fumamos um cigarro, olhamos a lua e o céu e falamos com as estrelas, olhamo-nos e sorrimos, como há muito não o fazíamos, depois, tu acreditando em deus, e eu, e eu não acreditando em deus, concluímos que tudo à nossa volta está perfeito e é belo

Mesmo quando eu e tu desenhamos um orgasmo na flor das estrelas.

 

Em que estava a pensar deus quando criou o orgasmo?

O poema mais lindo e mais belo de toda a poesia.

 

E deus sem o saber,

Criou-o,

E anda por aí desde o século passado.

 

Depois

Deitamo-nos, poisaste a cabeça no meu peito, e como que um veneno poético se apoderasse do meu corpo,

Adormeci. Parece que tu, ficaste por lá sem dormir…, escondida no meu corpo.

 

Esta noite não sonhei.

 

A esta hora ainda não temos parvoíces.

Que as ruas de Alijó estão cada vez mais limpinhas, até cheiram a levante e a cocó de pássaro, que já não há lixo junto aos caixotes, e que estes são desinfectados diariamente.

Que Alijó está cada vez mais linda, que já não cheira a mijo no jardim e já não há merda de cão nos passeios.

Que Alijó tem cada vez menos cães vadios e gatos e…

E que os aspersores já não regam o alcatrão, mas sim a relva.

Não. hoje não temos parvoíces.

 

Acordas no meu peito. Estás dentro do meu sonho, e sinto o teu cabelo em pedacinhos de silêncio, por entre os meus dedos.

Acaricio os teus lábios com os meus lábios; e quão doces são os teus lábios,

Escuto a canção que trazes no peito, e o teu coração é uma nave espacial, perdida na galáxia.

Pego na tua mão que amo, escrevo nela as palavras mágicas que guardo no meu coração,

E levito sobre ti, alimentando de beijos cada bocadinho da tua pele.

 

Acordas no meu peito, meu amor, aos poucos te ergues nos meus braços, árvore invisível do jardim da poesia, uma rosa no teu cabelo, um objecto de barro sobre a mesinha-de-cabeceira, um pássaro te olha, e te deseja

Tanto como eu.

 

Acordas no meu peito. Estás dentro do meu sonho, tu, tu és o meu sonho.

É dia, são quase os teus olhos neste relógio da vida, que é caminhar junto ao rio, enquanto olho as acácias, enquanto a fogueira do teu peito cessa de me ofuscar, recordando-me que os meus sonhos são irrealizáveis, sem sentido, sem nada…

 

E tenho medo de que tudo seja real, e tenho medo de te abraçar.