quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O feliz ausentado

 Sento-me

Pego num cigarro

E penso

Penso que todos os loucos têm razão

Quando dizem

Que não estão loucos

 

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Qualquer dia

Alguém vai encontrar uma partícula

Com velocidade dez vezes superior à velocidade da luz

E a luz

Deixará de ser o limite

 

Penso

Sento-me

E fumo o que penso

Penso que um dia

Qualquer dia

O pequeno-almoço serão dois gramas de poesia

 

E uma colher de literatura

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Um qualquer dia

Não haverá noite

Não haverá dia

Haverá apenas fios de loiro Inverno nas mãos de uma criança

 

Penso

Ausento-me

E sento-me

Sento-me e fumo

Fumo do que me ausento

E bebo o que fumo quando me sento

E penso

Que um dia

Um qualquer dia

A chuva será de prata

E o Sol de oiro

E mesmo assim

Haverá gente

Gente que não sente

E infeliz

E triste como quem mente

 

Um dia

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que não devia pensar

Que pensar dá trabalho

Cansa

E dá sono antes de adormecer

E mesmo assim

Penso

E fumo

E bebo o que penso

E penso o que bebo

E não bebo o que fumo.

 

 

21/09/2023

Pedacinho de silêncio

 

Porque te escondes num pedacinho de silêncio,

E não,

No meu olhar,

Porque te escondes nos lábios da manhã

Desenhando sorrisos na lua,

Porque te escondes nas primeiras palavras da manhã…

Sem perceberes

Que as palavras que escondes…

São as palavras que te escrevo.

 

Porque te escondes num pedacinho de vidro,

Na página de um livro,

Nos olhos de um poema…

Porque te escondes, musa,

Quando o dia, quando o dia sem o teu sorriso…

É um dia perfeitamente estúpido,

Sem sentido.

 

Porque te escondes num pedacinho de silêncio

E não,

No meu olhar,

 

Porque te escondes Princesa da poesia,

Porque te escondes dos meus poemas,

Porque te escondes,

Nesse pedacinho de silêncio,

E não…

No mar do meu olhar.

 

 

21/09/2023

(desenho de fontinha)

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O tojo flor nas mãos de Deus

 Éramos o tojo

Nas mãos de Deus

Calejadas pelo silêncio de uma qualquer madrugada

Quando o poema desenha o seu orgasmo

Numa pequenina folha em papel

Fez-se luz

Acorda o dia

Abre a janela

Puxa de um cigarro

E pensa,

 

Fuma um dos pedacinhos do pensamento.

Éramos o tojo

A silva agreste nas mãos do agricultor

A fome e o frio

As vidraças todas partidas

Todas

E eles

Eram felizes

Com Deus o é.

 

Éramos o tojo nas mãos de Deus

Criador do Céu e da Terra

Da mulher e do homem

Das árvores e dos pássaros

Que voam

Sobre ti

Numa noite de Inverno

Junto ao rio

Debaixo do rio

O segredo imensurável da ausência.

 

Perdidos.

Eles.

Naquela triste escuridão

Dentro daquele malcheiroso quarto

Horrível

A janela para um jardim pobrezinho

Que nem pássaros tinha,

 

Perdidos

Perdidos de algibeira na mão

Perdidos no pão

E perdidos

Mesmo de louco-perdidos

Ou perdidos de louco

Sem saberem que a loucura é a saliva de Deus

E Deus…

Não o sei!

 

 

20/09/2023

Cidade perdida

 Não sei se me perdoarás de todas as merdas que te fiz

Mas era difícil ser diferente

Sempre fui diferente

Para ti

Não

(a merda de um filho nunca cheira mal…, disseste-me tantas vezes…)

Não e talvez sim

Quem sabe

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

Depois…

Depois contávamos estórias de mentira

Eu, prometia-te

Tu, que estavas muito bem

Eu, mentia-te e que estava tudo bem

Tu, mentias-me que estava tudo bem

Quando

Nada

Nada estava bem.

 

Ausente sempre o fui

De mim

De ti

De todos

De toas as coisas visíveis e invisíveis…

Aí está

DEUS…

O teu deus

Pequenino

Mesquinho

Arrogante

Sim

Sim

Quando chovia… corríamos em direcção ao capim.

 

E éramos felizes

Felizes

(e falta-te aquele toque feminino da beleza)

O capim

Morreu com o estilhaço de uma granada

Tu

Estás no teu altar-mor e que não passas de uma foto

Nada mais do que isso

E eu

Procuro aquela cidade

A cidade do encanto

Do cheiro

Da terra quando cheirava a terra…

 

Queimada.

Não sei se me perdoarás

E tão pouco estou preocupado

Se perdoaste ou não perdoaste

De toda as merdas que te fiz

Quero lá saber de Santa Apolónia

Do Cais do Sodré

(e agora marchava)

Em direcção ao nada

À cidade perdida

No espaço

Na algibeira de um transeunte

Ausente

Sem ninguém…

E no entanto

Tudo perdoaste.

 

Tudo.

Coitado do magala

Escreve lágrimas em cartas sem remetente

Fotografa com o olhar todos os barcos que entram e saem da barra

E fuma compulsivamente qualquer coisa esquisita

E sabes?

Não interessa

Tu sabes tudo,

 

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

 

 

20/09/2023

Luís

Feitiço

 Tens no olhar o feitiço incêndio das amendoeiras em flor

Que aprisiona

Que afugenta

As marés sem madrugada,

Feitiço

Coisas de quase nada

Tens no olhar o feitiço invisível da insónia menina

Que brinca no jardim

E saltita por entre as flores

Tens no olhar o feitiço

Primeira página de um livro

Primeira palavra de um poema…

 

Tens em ti o feitiço

De um simples olhar

Na equação complexa do desejo

Tens no olhar o feitiço beijo

Quando a manhã desenha sorrisos

Nos vidros da paixão,

 

Tens no olhar um sorriso

Um feitiço beijo no feitiço sorriso do teu olhar…

Tens no olhar a claridade do dia

Sem nuvens

Com sol

E ao longe

A lua que olha…

O feitiço do teu olhar.

 

 

20/09/2023

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Incenso

 Pincelo o teu olhar

De doce insónia

Pincelo o teu doce olhar

Com os primeiros pingos de chuva

Que a manhã esconde

Em sua mão

 

Pincelo o teu olhar

De puro silêncio adormecido

Da noite em despedida

Em despedia aflita

Quando a noite se perde

No teu olhar

 

E gravita

E grita

O teu olhar pincelado

Com muitas cores

Com muitos sorrisos

E flores

 

Pincelo o teu olhar

Com a luz que se ergue das profundezas da terra

Da água salgada

Na planície que apelidam de mar

 

E do mar

O teu olhar em pedacinho de doce pincelado

Com perfume de sonhar

Vezes sem conta em pequenas deambulações

Pincelo o teu doce olhar

Quando acorda o dia

E sei que o dia

É apenas uma lágrima de incenso

 

 

19/09/2023

Sábado

 De todos os dias

Aquele dia

Daquele sábado

Daquela triste noite

 

Sem lua

 

De todos os dias

Aquele triste dia

Sem noite

Sem dia

Sem estrelas

Sem poesia

 

Tão triste

Aquele dia

Do outro qualquer dia

 

De todos os dias

O teu dia

Triste dia

Triste noite

Sem o dia

Sem a noite

 

De todos os dias

Um outro qualquer dia

Tanto faz

Todos os dias

São dias

Uns com dias

Outros

Perdidos nos dias

 

 

 

19/09/2023