domingo, 6 de agosto de 2023

Pequenos anúncios

 Procura-se

Cavalheiro

Educadamente

Educado

Com conhecimentos em poesia

E abraços de madrugada,

Enviar mensagem pelo correio

(Ctt)

Privatizados.

 

Solicita-se ao senhor de camisa encarnada

Sim

Vossemecê

Era eu

Não?

Que retire a sua viatura que está estacionada dentro da cabine telefónica.

 

Vendem-se flores

Todas

Todas as flores

De todas as cores

De todos os tamanhos

Estas flores

Estes ramos

Que aos teus pés

Ficarão

Como sendo uma solicitação minha,

Amém.

(perceberás)

 

Troco.

Troco o meu corpo

Por outro corpo

Troco a minha cabeça

Por uma outra cabeça

Que não pense

Que se ausente

Que sente

Que se troca

Em troca

Vender-se-á ao diabo.

 

Vendem-se favas.

Com fava

Sem fava

Com carne

Em porco

Chouriço

Que são muito boas

À noite

Não

Ao dia

Doze euros e quarenta e oito cêntimos

Sentidos pêsames

Sentidos,

Em sentido

Em frente ao Tejo.

Um amigo.

Um outro abrigo

Suicida-se.

 

Aluga-se.

Alma.

Aluga-se alma em perfeito estado de conservação

De higiene

E com certificado digital,

Aluga-se hospital

Aluga-se hospital sem médicos

Médicos que se alugam, sem hospital

A alma

Que também alugo

Ao desbarato

Em frente ao confessionário

Perdoa-me

Pequei

Chorei

E fodi-me,

Senhor vigário.

 

Embaixada.

Embaixada. Nacionalidade.

Preciso.

Onde nasceu.

No mar.

No mar coisas nenhuma

Ninguém nasce no mar

Só nasce no mar

Quem pertence ao mar,

Embaixada do prazer

O clítoris em sofrimento,

E lamento informar,

Que informo lamentando

Que deixei de ter nacionalidade

E continuo a fumar.

 

Faleceu.

Faleceu poeta, artista plástico, coisa alguma

E nenhuma coisa,

Daqui a pouco

O pôr-do-sol

O jantar

A ceia

A nocturna viagem

Às estrelas

E morreu.

Morreu acreditando que amanhã é segunda-feira,

Faleceu.

Coitado

Dele

Coitado.

Às catorze horas

Da tarde que se extinguiu no horizonte.

 

Batatas – 1,80€;

Cebolas – grátis;

Pipocas – 5€/gr

 

 

Cais das Tábuas, 06/08/2023

(Almirante)

Cidade portuária

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade

Portuária apenas no nome

Que não come

Que tem fome

Que fode

Todos os nomes,

 

Alvorada.

O barco masturba-se nos silicatos invisíveis do prazer

E uma árvore morre

É porque lhe roubaram o tesão

A saudade

As palavras com que escrevia

Não escreve

Agora voa

Agora,

 

O que seria

Se ele fosse aquilo que sentia

Que muitas vezes

Às vezes

Sofria

Chorava pequenas lâminas de aço

Aparas

Simples aparas

Esquecidas na plaina,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade,

 

Estes meus barcos

Sucata

Aço disfarçado de sono

E se o senhor te perguntar quantos anos tens…

Tenho cinco,

Quantos anos tens, menino?

Seis…

E com as duas mãos

Desenhava o número seis num qualquer quintal da saudade,

 

Morriam, aos poucos, os barcos,

De sucata em sucata

Via aqui o fígado do meu barco (A)

Um pouco à frente

Junto a uma curva

Lá estava ele

O estômago do meu barco (X)

E assim vou

E assim ando

Em contagem

Dos órgãos e ossos

De todos os meus barcos perdidos,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade.

 

(e todos os dias, me morrem barcos).

 

 

 

Alijó, 06/08/2023

Francisco Luís Fontinha

Estátua

 

Desce do pedestal

A estátua nua que o silêncio esculpiu na insónia

Desce nua

A estátua do pedestal

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Sobe às árvores

Este livro

E estas palavras sem denominação social

Em baixo de

Sob ela

Este desenho

Esta tela,

 

Desce e sobe

Montanha abaixo

E rio acima

Daquele pedestal

Deste inferno de estátua

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Pensar em quê

De quê

O pedestal rio acima

Abaixo de

Sob ela

Esta carta

Sem morada

Sem navegador,

 

Abaixo eles

Acima elas

Todas as estátuas de sono

Do pedestal granítico

Somítico o homem sem morada

Sem gestionário

Desta estátua

Deste pedestal

O correio-espelho

Da tua mão incendiada

Rua abaixo

Rua sem madrugada,

 

Desta montanha que as pariu

Nas estátuas que afoguentam as estrelas

De papel

Em cartão

Do pedestal colorido

Magníficos riscos sobre o chão

Curvas de sono

Sopros no coração

Desta estátua que desce

Do pedestal construído de suor

Ao decimo quinto dia da morte

Abre a mão

E escreve nos lábios;

Esta estátua não tem sorte.

 

 

 

06/08/2023

Francisco – Desenhos

 


Francisco...


 

Despedida

 

Um cigarro meio-adormecido

Despede-se dos meus lábios

Tal como eu

Que não me despeço

De nada

Mas que tudo

Se despede de mim,

 

Assim

Este cigarro permanecerá eternamente nos meus lábios

Mesmo meio-adormecido

Meio-apagado

Meio-morto

Será sempre um cigarro

Um cigarro amado,

 

Um cigarro meio-adormecido

Despede-se dos meus lábios

Rouba-me o colorido sol

E toda a pigmentação do luar

Em despedida

Que deixa escapar a noite

Por uma pequena brecha

Uma fenda insignificante

Do meio-morto

Meio-adormecido

Ao meio-dia

Este cigarro

Amado

Querido

Por uma pequena brecha

Este cigarro prometido.

 

 

 

06/08/2023

Monstro

 Acorda o monstro

Acorda o monstro insensível

Sem atitudes

Às vezes

Tantas vezes

O Tolo,

 

Dorme o Tolo

Enquanto um outro Tolo

Acorda

Veste-se de monstro

Sem atitudes

Sem nada

Às vezes

Tantas vezes

Sem madrugada,

 

Acorda o monstro

O Tolo monstro

Insensível

Desarrumado

Suspenso numa árvore

Também ela

Invisível

Como o Tolo

Do monstro,

 

Acorda o monstro

Adormece o Tolo

Depois o monstro

Pede ao Tolo

O silêncio e a solidão

Ergue-se então

O Tolo monstro

Quando o monstro

É o Tolo

E o Tolo

Nada mais de que um insensível

Desarrumado

Que voa sob os telhados de vidro.

 

 

 

06/08/2023