A
morte é uma merda, companheiro. Perdi o pai, perdi a mãe e, qualquer dia,
talvez, perco-me a mim. O cancro é uma merda, companheiro. Só se fala no COVID-19
e esquecem-se os filhos do cancro, sabes, companheiro, a vida é uma merda. Aqueles
filhos, filhas, pai, mãe, marido, mulher e tantos outros que se perderam nos
túneis do cancro, mas claro, o COVD-19 é mais importante…
Perdi
o pai, perdi a mãe e, hoje já não choro, às vezes grito, em silêncio, mas não
choro. Sabes companheiro, tinha apoio psicológico por ter perdido os pais em
quatro anos por cancro, mas com a pandemia, deixei de o ter; o COVID-19 é mais
importante do que o resto.
Perdi
o pai, perdi a mãe, mas hoje, hoje não choro.
A
vida é uma merda, companheiro, às vezes todas as flores do no nosso jardim são
estúpidas, são nocturnas cidades em cio e, mesmo assim, gosto delas. O Sal que
alimenta a ferida do cansaço, os incêndios entre palavras que consomem resmas
de papel higiénico e, dou-me conta que todos os meus livros apena servem para
limpar o cu dos meninos crescidos à beira de sanzala de prata: a chuva miudinha
das marés, o corpo envelhece no falso oiro, como mandibula açucaradas junto a
um precipício, também ele, quase sempre, cansado de viver entre quatro paredes.
O
cancro, companheiro, a morte, companheiro, são uma merda.
Francisco
Luís Fontinha
08/11/2020