quinta-feira, 4 de abril de 2013

Porta do Silêncio

foto: A&M ART and Photos

A última bebida da noite disfarçada de palavras
simples duas pedras de sílabas
e uns singelos lábios
como se a noite continuasse a viagem até à ilha dos livros
atravessando a porta do silêncio,

Tenho dentro de mim
o teu espelho de infância onde te olhavas e brincavas
e às vezes te esquecias de adormecer
de tanto te olhares
e de tanto o teu corpo crescer,

O fim da história
do livro e do poema e da vida
sempre o derradeiro fim como a encerrada solidão
sem que a mão humana consiga abrir as janelas do sonho
como fazem os peixes quando descem ao fundo do rio,

O fingimento da felicidade
dos sorrisos falsos em falsos lábios de falsas cabeças
a dor quando o corpo transpõe a fronteira da loucura
e se vai sentar no banco de uma enfermaria com plátanos encarnados
e olhos azuis embrulhados em gotinhas de água,

Tudo à minha volta é falso
o dia e a noite e a liberdade e a Primavera que só existe em literatura
o falso amor com falsos sorrisos em falsas dores
com falsos juízos
mas tudo tudo é cor que dorme na tela do sofrimento...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Catedral dos cigarros sem filtro

foto: A&M ART and Photos

(terça-feira de Abril)

Lembras-me a Catedral dos cigarros sem filtro
com as suas quatro janelas de acesso ao inferno,
lembras-me a luz desperdiçada pelas frestas do desejo
sabendo tu que lá fora há uma boca com fome,
de braços abertos, e agarrado à pernada da árvore junto ao cemitério,

Não cessa de chorar
nem entra na escuridão enquanto não se alimentar,
não acreditas nos plátanos sobre os bancos de madeira
que o jardim da Vila esconde, e te sentavas, como uma flor de livro na mão,
não cessam nunca, essas bocas, às vezes, poucas e loucas,

Às vezes
triângulos de tédio abraçados a cubos de gelo,
às vezes, às vezes sinto-me a caminhar sobre o Tejo,
sou uma gaivota ou um velho cacilheiro,
às vezes, sou eu mesmo, um velho desiludido, um velho sentado no infinito do abismo...

Às vezes, visto-me, sim, também me visto e lavo e tenho higiene,
como estava dizendo, às vezes, visto-me de ponte iluminada pelo teu azul
que suspendes no teu corpo de texto ficcionado,
às vezes, minto-te dizendo-te que estou bem alimentado,
mas não estou, porque estou cansado, ou... porque... apenas me apetece dizer-te que sim,

Que comi as bolachas e bebi o leite com chocolate,
que fumei cigarros imaginados, porque deixei de fumar,
que, às vezes, (isto só para nós) não me apetece sorrir nem falar nem escrever,
e escrevo, sem o saber, sem perceber porque o faço...
porque às vezes, às vezes o que eu queria era voar, e deixar de ter ossos e olhos verdes...


(permita-me reflectir sobre os seus lábios, sabendo que não me pertencem, mas como é usual vê-los passear em frente à estação de Cais do Sodré, tenho a dizer-lhe a si e a eles – Lábios, que a minha vida melhorou significamente após o encontro entre os meus olhos verdes e os seus lábios azuis, de tal forma, que hoje, terça-feira, posso garantir-lhe que nunca mais me doeram as costas, a rótula do joelho esquerdo, e melhor ainda, a dor que sentia na perna direita, essa, desapareceu como desapareceram as moedas de Euro que me acompanhavam na algibeira, mas aí, a responsabilidade não é da menina, nem tão pouco da cor da sua pele, apenas deve-se
- à má gestão do meu misero dinheiro,
um dia quis ser bailarino, depois, costureiro, nunca dancei, mas garanto-lhe que cheguei na infância, e tenho como testemunha a minha querida mãezinha, a desenhar vestidos e a confeccioná-los, e tão giros que ficaram... tinha um boneco, a que parvamente o apelidava de chapelhudo, servia-me de modelo, e amigo, confidente, e personagem de texto não escrito, apenas falado entre mim e as pombas e as galinhas, e tudo isto, num enorme quintal, em Luanda, debaixo das mangueiras, tínhamos um portão de entrada, em ferro, que dava uma certa coloração – Não filha, não é ao seu corpo! - ao bairro, estava a falar do Bairro Madame Berman, claro, claro que quando chovia ficava encerrado em casa a desenhar com carvão nas paredes do corredor, quarto e casa de banho, e não me perguntes porque o não fazia nas paredes da sala, não o sei explicar,
- e hoje não me parece terça-feira,
e quando te falava no portão de entrada, claro minha filha, referia-me à chegada do avô Domingos, coitado, tão cansado de andar pelas ruas da cidade com um cordel a puxar um machimbombo, abria-o – sim filha, o portão, o que querias que fosse – voltava a fecha-lo, pegava-me ao colo, e, e dava-me um beijo,
- hoje?
amanhã, talvez me recorde,
- e nunca mais soube a cor do céu e vi o sorriso do mar.)


E deixei de amar, ser novamente a criança com os calções e as sandálias de couro,
não pensar em livros, em termodinâmica ou mecânica, ou literatura, ou amor,
e deixei e desaprendi que o teu corpo reabsorveu o azul do céu e o sorriso do mar,
e..., que as árvores (não vais acreditar) que as árvores, agora, pensam como nós,
e que amam, como nós, não hoje, mas quando ontem era ontem, e não terça-feira...

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

De pedra os rios da saudade

foto: A&M ART and Photos

Não me digas que os rios são de pedra, porque, não o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que ele esteja tão longe de mim, não
(é atarde ainda para pegar na tua mão)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não
(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios, cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)
Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia, não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é, porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo
(de pedra, os rios?)
Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não o são, não...
(e o mar, meu querido?)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e no entanto é tarde e eu sem entrar em casa, e no entanto caminho sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)
E, não, não a tinhas,
(de pedra, os rios?)
Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim
(não, não)
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu, E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas, tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
E neste momento acredito que os cigarros inventem dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse, os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não fumam...
Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro, eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta de cigarros
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água – Destaque no Sapo Angola

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Dois corpos invisíveis

foto: A&M ART and Photos

Se dois corpos se perdem no espaço exíguo da madrugada
deixando abandonada a mesa circular com duas chávenas e duas cadeiras
como se houvesse um túnel cinzento com aberturas tão finas como os sonhos de ontem,
se de dois corpos
nas mãos do néon que ligou o interruptor da solidão
descerem as palavras de silêncio
em busca da plenitude montanha das árvores acabadas de morrer,
se dois corpos em formato de pássaro
sem asas
começarem a voar sobre os campos doirados das planícies verdejantes
é porque uma mulher de corpo emagrecido
desceu das nuvens trazendo olhos castanhos e seios de algodão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Dois corpos invisíveis

terça-feira, 2 de abril de 2013

O comedor de imagens

foto: A&M ART and Photos

Havia no teu corpo crisântemos de esperança
como madrugadas incolores suspensas no estendal que esquecemos na varanda
procurávamos nas ruas os candeeiros de chumbo
para fugirmos à fome da cidade
e sabíamos que eles um dia regressavam para ajustarem contas connosco,

Depois esquecemos-nos das montanhas de azoto que nos invadiam
como moscas envenenadas ou como cadáveres de gesso
pendurados por um fio finíssimo de sémen na árvore do desespero
conversávamos com Deus e era como se estivéssemos a falar com uma parede de aço
insensível e distante e fria,

Chovíamos das nuvens emagrecidas em cidades de areia
e comíamos as imagens que trouxemos de África
e as pequenas recordações que só aparecem noite dentro
quando lá fora cessam as músicas do desassossego
e cá dentro revoltam-se as lágrimas de tristeza,

Um muro covarde arde docemente na lareira da idiotice
como aconteceu com as palavras do livro negro
com dentes de marfim
e cansei-me dos bons costumes
da pontuação e de regras de boa educação,

Sou um “filho da puta” mal-educado
que vive num País inventado
não sei se sou humano ou em pedra torneada e ornamentada com flores selvagens
sou um “filho da puta” cansado
de mendigar migalhas e sonhar com viagens...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Evasão de Privacidade

foto: A&M ART and Photos

A demolição do meu corpo dentro do cubo de silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das traseiras,
Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o processo de construção, levantava-me pensando que não me levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende, confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e eu
(sabia lá quem era o Zé Amaro...)
E ainda agora desconheço a quem pertencem os pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu
(penso)
Será uma reunião sindical? Será uma manifestação? Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de madeira...
(dedico a todos)
A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João & João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi, mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e mão dada, como andorinhas de Primavera,
(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)
A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa
(Aleluia, Aleluia, Aleluia)
Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no, não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,
E agora, depois de se erguer e dirigir-se para outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas, que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?
Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba, estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo
E dizia-lhes
(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa
ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição
sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
lá fora mário
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”
AL Berto)
E dizia-lhes o quanto é difícil viver desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje, vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter esperança no
(viva, viva o artigo 21 da Constituição)
Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia de hoje, e pergunto-me
(não devia ser inconstitucional existirem reformas abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)
Dizem-me para não repetir o que disse...
Porque isso não se diz, porque inconstitucional é a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer rendimento ainda não é nem será inconstitucional...
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha