Em “Mudanças” de Mo Yan, várias vezes é
referido um camião (Gaz 51) de fabrico Soviético, EX-URSS. Por
curiosidade, até para perceber se era ficção do autor, dei-me ao
trabalho de pesquisar, e realmente existiu e ainda devem existir
camiões Gaz 51; fica aqui a respectiva fotografia. Produção
(1946-1976)
domingo, 27 de janeiro de 2013
sábado, 26 de janeiro de 2013
Há alheiras com fotografias a preto e branco
Fictícias palavras nos feiticeiros lábios dos
amores incompreendidos, por vezes, perdidamente esquecidos na berma
de uma rua sem saída, e ao fundo, bem lá longe, do enorme corredor
de orvalho oiço-te balançando entre espadas com lâminas de desejo
e ferros de açúcar que se espetam silenciosamente no peito da
mulher desenhada numa tela de vidro doirado, abrem-se todas as luzes,
e no entanto, ela ficou quieta, dócil, às vezes voa pela casa, e de
tecto em tecto, e de espelho em espelho, multiplicam-se
Hoje são milhares, como a formigas sobre as sandes
de marmelada numa tarde de praia, as finas areias brancas
solidificavam-se nos pés emagrecidos da criança perdida e que
procurava os sobejados pingos de saliva que o vento vomitava contra
os rochedos de insónia, não dormíamos, não comíamos, e hoje,
somos milhares, como as formigas, fictícias abelhas entre dois
Sábados consecutivos, ela sozinha, eu sozinho, multiplicam-se, e
sobressaem nas camisolas de pura lã virgem, quando as ovelhas do
padrinho desciam a montanha, havia noites sinfónicas com hastes e
palavras embriagadas pelos cretinos guardas que existem em todas as
prisões imaginárias, tantas coisas dentro da minha bocas, coisas
Poucas, muitas, sons, cheiros, tanta coisa em mim
disfarçada de palavras, de sombras, de calçadas, enormes dentes de
marfim do crocodilo em pau preto, bela escultura, antiquíssima
silhueta de arame farpado que dividia Angola e o antigo Congo Belga,
e ele
Vou atravessar o rio,
E desapareceu como desapareceram todos os meus
sonhos, e como desapareceram os triângulos das minhas folhas de
papel, a cartolina resumia-se a um pedacinho de ardósia desnorteada,
sem nome, com fome, à procura
Dos velhos machimbombos da agonia em cachimbos de
água, lembras-te Fernando?
Dos pasteis de nata embrulhados nos cigarros, hoje
são milhares, como a formigas sobre as sandes de marmelada numa
tarde de praia, as finas areias brancas solidificavam-se nos pés
emagrecidos da criança perdida e que procurava os sobejados pingos
de saliva que o vento vomitava contra os rochedos de insónia, não
dormíamos, não comíamos, e hoje, somos milhares, como as formigas,
e os cigarros de ontem eram os cigarros de hoje, como as horas que
De Sábado em Sábado, entre duas sílabas de tinta
dentro do aparo, aglutinado, e às vezes
Apertar-lhe os pescoço como um laço de corda
vestida de luz, não matá-lo, não, e às vezes oiço-te
desordenadamente caminhando nas pedras azuis poisadas sobre a
cristaleira, não matá-lo, não
E às vezes (as alheiras saborosas) atravesso o rio,
sento-me do outro lado e recordo entre Sábados e cigarros os
cheiros, as luas, as plantas e os pássaros
Do antigo Congo Belga,
As plantas e os pássaros, os cortinados e as
janelas do amor, e nunca esquecer as clarabóias da paixão debaixo
dos tectos com estrelas de silicone, vícios desfeitos em trapos, e
ruas, e calçadas, e espero, desespero
O jantar está pronto,
E eu não quero saber do jantar de hoje,
Do antigo Congo Belga, algumas fotografias, e o
arroz com chouriço durante trinta dias de tortura alimentar, e
enquanto comia, imaginava que no prato de alumínio viviam os seios
da mulher desenhada na tela de vidro doirado, parvalhão
As alheiras óptimas, saborosas,
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Estupidamente afogados no rio que separava Angola e
o antigo Congo Belga, ao longe, muito longe, ao fundo do corredor de
escuridão uma criança de medo inventa papagaios de papel, sorri,
saltita entre dois Sábados e três fotografias do antigo álbum que
guarda os mortos momentos das vidas encalhadas por quatro cantos de
uma vivenda em Casais, demorava-me
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear,
demorava-me a pentear, deixei de me pentear,
Fizeste a contagem das cabras, Francisco?
Esqueci-me, não contei hoje, e aqui entre nós,
entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se lixem as cabras e os
montes e as terras e as palavras de gordura como torresmos em sandes
de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de praia, havia abelhas
bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por borboletas abelhas
bronzeadas, de quê, Francisco?
Afogados no rio que separava Angola do antigo Congo
Belga, fotografias a preto e branco, alheiras e chouriças de
Trás-os-Montes, o presunto chegava de cá, lá
E os barcos meu amor?
Como serão os barcos apaixonados por traineiras ou
cacilheiros? E lá
E os barcos meu amor?
Como os livros empilhados no pavimento térreo da
vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de
quê?
Afogados meu amor, a fo ga dos...
Todas e todas,
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear,
demorava-me a pentear, deixei de me pentear, demorava-me a dormir, e
deixei de dormir, demorava-me a comer, e deixei de comer, demorava-me
a atravessar o rio, de deixei de ver os salgados comboios em direcção
ao infinito, às vezes, poucas, lá longe, muito longe, ao fundo do
corredor, terceira porta à direita, ele lá
A fo ga dos,
Como os mármores sobre os telhados de madeira,
subia e sentava-se, e eu
E eu ouvia-a soletrar palavras ensanguentadas de um
jornal acabado de ser atropelado pelos salgados comboios em direcção
ao infinito,
Sabiam-me os poemas que lia a incenso, e deixei de
barbear-me porque demorava-me a contar as cabras quando regressavam
do pasto, ao fundo, do corredor, (esqueci-me, não contei hoje, e
aqui entre nós, entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se
lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como
torresmos em sandes de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de
praia, havia abelhas bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por
borboletas abelhas bronzeadas, de quê, Francisco?),
A fo ga dos,
Todos e todas,
Entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se
lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como
torresmos em sandes de marmelada, a fo ga dos, Francisco?
Todos,
Todas,
A fo ga dos...
Como drageias que os loucos comem, como todos, como
todas, as tardes perdidas, como todos, como todas, as tardes de
janelas encalhadas na areia das fachadas em ruínas, o mar em ruínas,
os barcos em ruínas, todos e todas
A fo ga dos.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Incessantes incompletas manhãs da tua ausência
Incompletas todas as manhãs da tua
ausência
e sei que o teu perfume brinca no
roseiral
esperando pacientemente que acorde um
fio raio de sol,
Incompletas todas as lágrimas
recheadas com mel e madrugada
salgada,
Incompletas as tuas dóceis mãos de
Primavera
que descem imaginariamente pelas
ranhuras do meu corpo embaciado
pelas lanternas da inventada paixão,
Incompletas
as plantas e os pássaros e os lábios
da noite vestida de insónia
incompletas as brincadeiras desenhadas
numa ardósia
por duas crianças apaixonadas
e incompletas vaidades
entre as paredes cansadas
os livros coxos
mochos
castanheiros cavernais que as tardes
construíam no bairro do hospital
chovia e o vento escrevia amor numa
seara de trigo
chovia sempre que alguém invocava a
dita palavra
que a húmida terra escondeu das
incompletas manhãs da tua ausência,
Aglutinavam-se as incessantes veredas
lilases dos pilares de orvalho
escrevia-se amor com o espeto de aço
inoxidável
e enrolávamos o volante de borracha no
pescoço saudável,
Libertos dos cigarros libertos das
drogas libertos do álcool
percebíamos que as incompletas manhãs
no roseiral
eram plumas viscosas dentro de uma
jarra de zinco,
Os telhados verdejantes das malditas
ressacas sem corações apaixonados
os velhos e os novos e os defuntos
moribundos
dentro de quatro paredes
sentados no chão
a extraírem a raiz quadrada de 3 865
156.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
As plantas carnívoras da menina Margarida
O
tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em
demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas
ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha
chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e
enfurecida, ela
Plantas
carnívoras, senhor prior? Sim menina Margarida, a nossa querida igreja foi
invadida por carnívoras plantas, sabe-se lá de onde vieram, talvez tentações do
ensanguentado e tentador Diabo,
Diabo
senhor prior?
Não
sei, não sei menina Margarida, mas confesso-lhe que começo a ficar com medo,
que já não durmo como dormia, que vejo sombras nas paredes do meu quarto
acanhadíssimo, porque nunca há dinheiro para as obras, e os fiéis
Defuntos
e não defuntos,
Tesos
como os barrotes do senhor Manuel, que ele utiliza como escoras do alpendre
semeado sobre o primeiro piso térreo da mansão, quatro paredes com buraquinhos
por onde se avista, ao longe, o mar desenhado num lençol que a tia Margarida
deixou estendido na varanda, e durante a noite,
Porque,
As
faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor
prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se
como de impostos se tratassem, e a velhinha Margarida reclama
A
minha reforma já nem me chega para comprar água,
Porquê?
Porque
o tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em
demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas
ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha
chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e
enfurecida, ela contava religiosamente os cêntimos que nunca sobejavam,
E
ao longe o senhor prior
Não
me fale em cêntimos, menina Margarida, não me fale em cêntimos,
Vou
falar-lhe em quê senhor prior? Vou falar-lhe em quê…
Olhe
Porque,
Fale-me
em plantas carnívoras, fale-me no Diabo, fale-me
Diga,
diga senhor prior,
Fale-me
na cidade de Luanda que festeja hoje o seu 437º ano de existência, mas por
favor, por favor menina Margarida
Não
me fale em cêntimos que me recordam um canino que tive na infância, e que Deus
o tem, em qualquer sítio, julgo eu, como
Olhe
Porque,
Como
as faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do
senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras
multiplicam-se como de impostos se tratassem…
(texto
de ficção não revisto)
@Francisco
Luís Fontinha
Alijó
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
( )
Sobejaram os cornos pigmentados de sílabas
monótonas e sons melódicos das tardes invernais e travestidas de
lilases vestidos de cetim, ou então
Que lindos
Ou pior
Vou-me casar, não me chateies,
Ora este,
Casar-se, Com quem?
Se nunca vi esta ave de rapina com alguém, nem
sequer com um ramo de flores ao peito, nem sequer apaixonar-se ele
conseguiu e a mastronça (ele vestido de ela) agora diz que se vai
casar (há cada uma que até parecem duas),
De
Pimenta,
Ou pior do que isso
Desenhar-te em fragrâncias a inocência dos pingos
de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitando
sobre as espuma do mar oceano, as gaivotas suspensas nos guindastes
de vento enquanto do sacerdote vagarosamente lia as palavras mágicas,
ele
Adormeceu em “Aceita” e quando acordou o
respeitado sacerdote pronunciava a frase imaginária “Até que a
morte os separe”, estremeceu, cambaleou-se como se o vento das
tempestades de areia assistisse também ele às cerimónias, lá
fora os barcos de recreio brincavam junto ao petroleiro de lábios
lânguidos de bâton encarnado em busca de um cigarro de incenso, e
quando percebeu que desenhá-la numa branca parede que a inocência
transformou em pingos de chuva ao cair da noite, uma rua deixou
perder-se dentro da própria cidade de areia, havia livros
encadernados em couro que transportavam o peso da agonia, sentia-os,
e percebia-os, escondidos nas almas e nos corpos da impossibilidade
sombra que as velhas mãos esqueceram nos desejos destinos das
línguas de fogo que uma lareira encaixou na baía dos sonhos
pincelados a verniz e a perfume de hortelã-pimenta, e respondeu
Não, não aceito,
Em pedaços, cada barco zarpou como zarpam as nuvens
depois da chegada do vento, numa das ruas desertas da cidade
fantasma, chorava um velho cacilheiro dos anos sessenta, na varanda
do quinto andar esquerdo, um velhíssimo esqueleto de prata fumava
cigarros de ervas aromáticas, diziam-lhe as vizinhas que era bom
para a asma, eu
Deixava aos poucos de acreditar,
Não, não aceito,
Acreditar nos desenhos em fragrâncias que a
inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa
duração, saltitava sobre a espuma do mar oceano, as gaivotas
suspensas nos guindastes de vento enquanto o sacerdote vagarosamente
lia as palavras mágicas,
Desisto, vou-me definitivamente embora das ruas
desertas da cidade ruim que entrou em mim e desde então, nunca mais
fui dono do meu esqueleto de oiro.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
O amor
O amor transformado em pequenas
palavras
o amor
em desejos
desejado
dentro do mar
o amor transtornado em pequenos
desenhos na areia
chamo docemente o teu corpo náufrago
e vem até mim a ilha dos sonhos
veste-se de ti
e coloca nos teus lábios os beijos dos
pássaros do amor em amor
descem a calçada até chegarem à lua
tua desordem madrugada,
vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos
poemas escondidos na gaveta da insónia,
não sei se sou eu que te amo
ou se é o meu corpo a desejar-te
quando entras na noite e desces a barra
até encontrares na cidade
um porto de abrigo
um peito com marcas geometricamente
inventadas
imaginadas
pelo vento que te abriga e obriga
caminhando velozmente dentro do mar
o amor transformado em pequenos
desenhos na areia,
teimosamente não desisto de
resgatar-te das garras clandestinas da tempestade
mesmo não sabendo quem és
ou onde vives
mas sei que te amo
ou desejo
e também sei que te vestes de poema
e escreves nos vidros dos meus olhos
palavras lindas
belas
como todas as flores dos jardins em
frente à tua lareira
O amor transformado em pequenas
palavras
o amor,
(vestem-se de ti
e levas nos seios o silêncio dos
poemas escondidos na gaveta da insónia.)
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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