Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia
e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba
o que é o amor, sem que tu percebas
A fina escória neblina que o soalho de vidro
provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus
esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu,
quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu
E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e
branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos
tempos de
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e
deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das
palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados,
às vezes, outras vezes
E tu
Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela
cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da
noite a abraçar-te, ninguém para ti
Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as
nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos
quintais abandonados, deita-te sobre mim
Meu amor...
Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em
candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com
um chicote
Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias
os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as
noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós
Não sabíamos o que era o Inverno,
Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma
caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de
pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e
choravas, e gritavas
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta
imunda, e
Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que
nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos,
alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro
putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira
apodrecida, e suja
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta
imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e
deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das
palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados,
às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa
lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços,
regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os
muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras
vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e
cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos
Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a
moeda na ranhura
E os barcos começam em círculos longos voos sobre
os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume,
e as fotografias do teu pai
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um
caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras
que mal se percebia
CUIDADO PARA CIMA,
E um tipo com os dentes virados para o céu, e
esperava, CUIDADO PARA CIMA
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um
caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras
que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria,
sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele
perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina
que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e
filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes,
malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde
vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a
preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas,
dos tempos de
CUIDADO PARA CIMA,
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta
imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda,
E eu
Não Luanda.
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó