Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo,
sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que
estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos
debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que
estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as
mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque
oiço os malditos pássaros, que estou vivo, sou um espelho
insignificante, com luzes e brilhantina na cabeça, um palhaço de
circo ambulante, um zumbi com cabelos soltos e mergulhados nas
espinhas do amanhecer, e sim, que percebo, a paixão emagrece o céu,
alimenta-se dos corpos em desejo, e depois, depois de mastigar os
ossos e a carne, foge, e esconde-se no monte mais secreto do abismo;
e começo a não ouvir os pássaros, e percebo que os barcos em
círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que a paixão mata, como
matam as balas da solidão, quando embatem contra o peito da
paixão...
Para que servem os meus poemas se as tua mãos de
papiro ardem no silêncio da noite recheada por uma longínqua, fria,
inteligente, capaz de absorver-te como as tuas algas que utilizavas
nas tuas débeis pesquisas, acabavas de te apaixonar pelo mar, e já
trazias os rios num dos bolsos do teu bibe, e dançavas, quando o
vento soprava do Sul, uma bandeira flutuava, dizia-se livre,
liberta-me
E tu
Que fizeste concretamente?
Deixaste-me acorrentado a um cais mórbido,
ensanguentado por palavras que ninguém percebia, porque era a nossa
linguagem, eram as nossas palavras, como o fumo
E
E tu
Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas
de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,
Nada,
Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de
cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em
círculos, em
Em
E tu
Que fizeste concretamente?
Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo,
sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos, sim, percebo que
estou a sonhar, e enquanto olho, uma cidade em voos silenciosos
debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão, sim, percebo que
estou “fodido”, porque a paixão mata, mói, corrompe as
mandíbulas das asas de papel, e oiço-as, a elas, e percebo, porque
oiço os malditos pássaros, que estou vivo, que precisamos de
gritar, amar, morrer, que enquanto ouvirmos os pássaros, percebemos
que estamos vivos, sentindo os barcos em círculos no rio dos sonhos,
sim, percebemos que estamos a sonhar, e enquanto olhemos, uma cidade
em voos silenciosos debaixo das pontes que ligam o amor e a paixão,
sim, percebemos que estamos “fodidos”, porque
A paixão matou-nos, porque o amor, também ele,
numa noite de inverno, assassinou-nos, e ficamos sós, abraçados,
como duas gotas de água suspensas num arame de vidro..., e no
entanto
Em
E tu
Que fizeste concretamente?
As tuas tristes algas sobreviveram à tempestade de
areia, talvez, hoje, Sábado de Março, vivam dentro de uma parede de
xisto, com janelas para o rio Douro, talvez, hoje, Sábado de Março,
as tuas tristes algas, algumas, não todas, mortas, como nós, como
eles, e todas as palavras que escrevemos sentados num triste banco de
jardim com ripas de madeira e mãos de alecrim, o cheiro, sentíamos
o cheiro das palavras que deixamos morrer, e matamos
As palavras;
(amor, amo-te, paixão, desejo, beijos, carícia,
abraço)
E tantas outras que matamos, como matamos os
pássaros,
Enquanto ouvir os pássaros, percebo que estou vivo,
e como não os oiço, percebo, entendo, pressinto
Que morri,
Ou
Que as tuas tristes algas... mentiam-nos, quando
acordávamos pela manhã e depois de abrirmos a janela, ao longe, ao
longe uma ponte de aço acenava-nos, ao longe, uma ponte de aço
gritava-nos
Amava-vos, mas deixei de olhar o sol e o mar
transformou-se na face de um cubo pintada de azul, e quase sempre
estávamos de olhos vendados, como todas as rochas dos rios com algas
mentirosas...
(Lembravas-me o vento quando eu sobrevoava as tendas
de lona das casas sem literatura, e que fizeste concretamente? Nada,
Nada,
Como sempre, eu, tu, dois veleiros num cais de
cimento com luzinhas que ao longe se transformavam em pontinhos, em
círculos, em
Em
E tu
Que fizeste concretamente?)
E nunca mais tivemos sossego como o homem com cabeça
de palha.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
P.S.
Tinhas nos seios as sílabas que construíam as
palavras mais belas do planalto onde habitávamos e nos escondíamos,
tinhas no peito uma janela onde vivia um coração, e dessa janela,
víamos os triângulos de areia que Deus deixava sobre as plantas
carnívoras que brincavam no nosso quintal de cartolina e lápis de
cor, e mesmo assim, que tudo tínhamos, deixamos morrer as palavras
mais importantes de nós; E hoje, Sábado de Março, apenas
comunicamos através de números e equações matemáticas complexas,
feias e distantes...