Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te,
saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno,
eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado,
procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras
incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de
veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me
livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai
esconder-se dentro de uma nuvem de prazer,
(começo a não perceber o que escrevi
apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos),
Esqueço o orgulho, escondo a tristeza, pego no
telemóvel e marco o teu número, uma voz de chocolate diz-me que...
O número que marcou não se encontra atribuído,
E eu, começo, a cada milímetro que me aproximo do
rio, a acreditar, a acreditar que afinal
Nunca exististe, tal como eu, que pertenço aos
assombrados murmúrios das distantes letras de sabão, inventaste-me
louco para te distanciares de mim, inventaste-me a miserabilidade
pela mesma razão da loucura, e depois queres fazer-me acreditar
Que a lua é quadrada, que as pedras são as
lágrimas das estrelas, e que o mar, e que o mar vive num buraco com
grandessíssimas hélices de vidro, como o amor, clandestino, debaixo
de uma árvore, ao lado da árvore vive uma casa, dentro da casa uma
mulher com cabelos de vento, e dentro dos cabelos de vento
(começo a não perceber o que escrevi
apressadamente num pedaço de papel sobre os joelhos), o número que
marcou não se encontra atribuído, e depois querem fazer-me
acreditar que a noite é negra, que as cidades têm ruas sem saída,
e que nas calçadas habitam pedaços de cartão onde se embrulham
homens, mulheres, crianças
Pode lá ser possível,
E dentro dos cabelos de vento uma gaivota com
lágrimas de Primavera traz-nos livros que o cacilheiro náufrago
derramou sobre o Tejo, poemas, frases, palavras sem nexo como as
árvores do quintal de Carvalhais, coisas, poucas, algumas, o sangue
derramado na secretária imaginária que a mulher com cabelos de
vento
Dentro da casa, uma cadeira, duas mesas de madeira,
dois tristes corações com lâmpadas de halogéneo, do
electrocardiograma nada a salientar, normalíssimo, o RX pulmonar
apenas algumas sombras, provavelmente devido ao dia com alguma
nebulosidade, como as janelas quando vêm as marés de azoto e roubam
do parapeito os discretos vasos de cerâmica, (Nunca exististe, tal
como eu, que pertenço aos assombrados murmúrios das distantes
letras de sabão, inventaste-me louco para te distanciares de mim,
inventaste-me a miserabilidade pela mesma razão da loucura), e hoje
apetecia-me um Sábado louco sobre a mesa de uma cave no interior de
uma ruela escura, suja e imunda, como os navios regressados de ontem,
Perdi-me nas clareiras tuas faces pontiagudas, e dos
alicerces teus lábios, uma corrente de aço não me deixa aproximar,
e quando me perguntam o que tenho a declarar, respondo
Nada, Excelência, apenas que se faça justiça,
E assim foi,
(Não saberia esquecer-te se eu pudesse recordar-te,
saciar-me com a tua boca quando nada alimenta as manhãs de Inverno,
eu, invento o tempo, o dia, desenhando a noite no teu corpo ensonado,
procuro-me misturando a insónia com os delírios das palavras
incandescentes, húmidas quando derretidas nas planas pistas de
veludo onde dormes eternamente, e esperas-me, e escreves-me
livremente nas paredes da solidão liquefeita, e uma asa de papel vai
esconder-se dentro de uma nuvem de prazer),
Qual será a raiz quadrada do AMOR?
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha