sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Beijos de prazer

 

Poisa na minha mão adormecida

Uma abelha de luz envenenada,

Sinto-a escrever nesta dor

As derramadas palavras de adormecer,

Sinto-a, sinto-a crescer

Neste tranquilo jardim em flor.

Da abelha, da abelha apaixonada

À eterna partida,

As sílabas do amor.

Poisa neste verso alicerçado

Do triste caderno quadriculado,

As amêndoas pequeninas,

São tuas, são minhas,

São palavras são rainhas.

E então, ao acordar,

Sinto-as nos beijos pergaminho,

São equações de sangue,

São presépios e vinho,

São palavras, palavras do meu vizinho.

As fórmulas que tenho de saber,

São elas também palavras de aprender,

São o mar a arder,

São desejos de prazer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/09/2021

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O eterno enforcado

 

Vivia no púbis desejado

Do silêncio amanhecer,

Cresceu em mim e, partiu

Da vida que sempre quis ter.

Certo dia, recebeu um telegrama envergonhado,

Não trazia remetente,

E assim,

O eterno enforcado,

Desconhecia

Que o seu amante

Pretendia,

Um dia,

Lhe escrever.

Como alguém dizia;

- Cuidado, eterno enforcado,

Viver no púbis desejado,

Não é a mesma coisa

Que pertencer ao beijo amado.

E o pobre do eterno enforcado,

Cioso da vergonha alheia,

Sentou-se numa pedra de espuma

Pensando que ao longe, na aldeia,

Habitavam as coxas moribundas

Das janelas em cio;

Que vergonha, eterno enforcado,

Que vergonha!

Púbis e coxas há muitas na saliva do prazer,

Palavras de merda, como as minhas, acordam ao entardecer,

E sabendo que o vagabundo

Do eterno enforcado,

Viajou,

Correu mundo…

E não passa de um triste amado.

Deixou-se penhorar

Pelo prazer

Num dia de Verão,

Sentado, não sabendo ler,

Percebeu que as árvores em flor,

São coxas,

São púbis,

São canção

De embalar,

São versos de amor,

São sílabas de foder.

Dois mais dois

São quatro braços abraçados,

Duas pernas,

Alguns enforcados,

E vinte e cinco sombras a voar;

Sabes, eterno enforcado?

A vagina é uma fotografia para o mar,

É a raiz quadrada do prazer,

É cateto amanhecer,

É hipotenusa maldisposta,

E mais dois são seis,

Seis versos de embalar…

Seis versos sem resposta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23/09/2021

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As lágrimas da insónia

 

Trago na mão

O mar embainhado

De uma cidade perdida,

Trago nos lábios

O poema envenenado

Da madrugada esquecida,

Trago no rosto

As lágrimas da insónia

Adormecida,

Das palavras à morte

Da morte à paixão com vida,

Trago na poesia

As silabas envergonhadas

Da imagem aparecida,

Trago, trago no olhar

As nuvens em fogo, da fogueira ardida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20/09/2021

domingo, 19 de setembro de 2021

Uma morte ausentada

 

Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais,

Enquanto me despedia dos teus soluços

E gemidos de dor,

Escrevia na minha mão,

A equação da saudade.

Apetecia-me fugir,

Ser um covarde e,

Correr,

Em direcção ao mar.

Apetecia-me gritar,

Não ser covarde e,

Cerrar os olhos,

Penhorando o meu olhar.

Levemente,

Levantei a minha mão alicerçada no teu peito,

E, aos poucos,

Olhava pela janela,

Aberta para a tua viagem,

Os pássaros nocturnos da solidão.

Sabia que o fim,

Em tudo,

Era igual,

Ao outro fim ausentado,

No entanto,

Acreditava que me ouvias,

E,

Conseguias pronunciar o meu nome;

O meu nome, que tantas vezes

Escreveste nos céus de Luanda.

(Desenhavas com o olhar,

No tecto do silêncio,

Curvas senoidais)

Senos cansados,

Co-senos envenenados por um qualquer

Triângulo rectângulo,

Que apenas na minha mão,

Naquele lugar,

Silenciado pela morte,

Tinha existência física.

Uma viagem sem retorno,

Como o sono,

Quando um cadáver quadriculado

Morre na lareira do corpo ausentado.

Saí a correr,

Puxei de um vadio cigarro e,

Chorei,

Acreditando na mentira,

Pensando que sonhava,

Sílabas de insónia

E pequenas quadriculas na alvorada.

Acreditando na mentira,

Da noite ausentada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/09/2021