segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Poema luar

 

Desta maré sem nome

Um pedacinho de mel voa nas palavras

E da mão do poeta

A mão que inquieta as madrugadas

Nasce o poema luar,

 

E este pedacinho de mel

De lágrimas nos lábios

Rouba as palavras ao poeta…

O poeta que com a mão inquieta as madrugadas,

 

As madrugadas de um pedacinho de mel.

 

 

 

Alijó, 02/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 1 de janeiro de 2023

O mendigo

 Ninguém cobre o mendigo

Nem a noite o protege

Das estrelas,

 

O pão que ele transporta na algibeira

São os meus cigarros

Porque de pão não vivo

Tão pouco vivo de pequenos luares

Que se estendem sobre o mar,

 

E do pão

Nasce o dia

O dia do mendigo que de pouco lhe serve

Quer lá saber o mendigo do dia

Ou o dia do mendigo,

 

E podíamos ser todos felizes

O mendigo feliz com a noite

O dia feliz com as lágrimas do mendigo

O luar muito mais feliz de que ambos

E o poema está feliz com o poeta,

 

Poeta que ainda não é mendigo

Poeta que é o coveiro das palavras

As boas

E as fumadas

Porque o poeta fuma palavras

E o mendigo fuma os cigarros do poeta

O poeta que descobre a noite

E quando se senta junto ao rio

Deixa-se ficar por ali…

Depois aparece o mendigo

Aprece a noite

E o cobertor

O cobertor que serve para o poeta cobrir o mendigo,

 

E quando batem à porta do meu postigo

Uma trave de sono cai

Cai sobre a cabeça do mendigo

O mendigo que fuma o pão

E bebe as palavras já fumadas pelo poeta,

 

E um beijo se despede da alvorada

Enquanto o mendigo e o poeta

Fumam todas as estrelas da noite;

E a noite sem estrelas

É como o dia sem palavras

Quando o fantasma da solidão

Abraça o mendigo

E acorrenta o poeta à melancolia do silêncio,

 

Porém

Ainda não o sei

Deixei de ver o mendigo

Deixei de ver o cobertor que servia para eu cobrir o mendigo…

E agora

O mendigo descoberto

Morre

Como morrem os poemas no leito em desejo.

 

 

 

 

Alijó, 01/01/2023

Francisco Luís Fontinha

A prisão do mar

 Da prisão

À da alma quando a vendes ao diabo

Na prisão de ventre

Da prisão dos braços

E das palavras que brincam nos teus braços,

 

A prisão sem pão

À prisão com pão

Tudo é prisão

Tudo

Tudo é uma prisão

Da prisão ao salário

Do salário às nuvens

A prisão do mar

Na prisão de um barco

Um barco preso no mar

Do mar sem salário,

 

A prisão da chuva

E do vento que transporta a chuva

Depois temos a prisão da lua

Do luar

E do corpo que dorme no luar,

 

À prisão do corpo

Quando este corpo semeia no teu peito

Uma prisão de silêncio

Numa prisão de desejo

E se o desejas

Prende-te ao desejo

Acorrenta-te às sombras que a noite deixa nos seios dela,

 

A prisão vaginal das manhãs sem poesia

À prisão do poema

Quando o poema

Dorme na tua cama

Dorme em cada dia,

 

E se a tua cama for um livro

Um livro com um só poema

Um poema

Uma mão

Quando te masturbas na madrugada,

 

Tudo

Tudo é uma prisão

Ou uma não prisão

De nada

Ou com tudo

Que a prisão aprisiona o teu pensamento,

 

A prisão de uma lareira

Quando um pássaro vadio canta à tua janela

E o pássaro sem pão

Pede-te que o libertes

Libertes da prisão

Na prisão deste mar,

 

A prisão dos teus mortos

Em uma prisão de fotografias

Na prisão de um álbum

À prisão numa pequena caixa de sapatos

Na prisão de uma lápide

Quando a lápide é uma prisão

De quatro pedras graníticas

Sem sol

Sem nada;

Uma prisão enganada.

 

 

 

 

 

Alijó, 01/01/2023

Francisco Luís Fontinha