sábado, 14 de maio de 2022

As escadas da tristeza

 

Descíamos as escadas da tristeza

Sob a ténue luz do desejo,

Depois,

Vinha a nós,

A ribeira da tempestade,

Conforme as imagens do silêncio,

Conforme as lágrimas do teu rosto,

Antes do enforcamento das palavras,

 

Antes do suicídio do poema.

As rosas eram em papel-lágrima,

Com as bocas da fome

Correndo calçada abaixo,

Até se afogarem no rio da saudade.

Descíamos as escadas da tristeza

Carregados de cansaço…

Carregados de maldade.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/05/2022

domingo, 8 de maio de 2022

A calçada

 

Descia a calçada descalça

Dentro da sombra imanada da solidão,

Descia a calçada envenenada

Pelas rosas do meu jardim,

Descia a calçada descalça

Acompanhada pelo perfume do Verão,

Descia a calçada cansada,

Cansada de tanta paixão,

 

Descia a calçada das estrelas

Como se o sopro da manhã

Se levantasse do chão;

Descia a calçada madrugada

Enquanto o enforcado poeta

Escrevia na mão…

Enquanto a desgraçada calçada

Morria de paixão.

 

Descia a calçada descalça

A menina das planícies além-mar,

Trazia um barco suspenso na saia

E um marinheiro acorrentado aos lábios…

Descia a calçada descalça

A menina luar,

Sem perceber que esta calçada

É apenas um pássaro de voar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/05/2022

terça-feira, 3 de maio de 2022

Beijos ensonados

 

Dos beijos ensonados

Às sílabas envergonhadas,

Dos pássaros cansados

Às tristes madrugadas,

Dos montes mimados

Às tardes revoltadas…

Da triste saudade

À misera esperança sem nome;

Do vinho martelado

Às poucas cartas que enviei,

 

À verdade,

À fome,

Ao poema que assassinei…

Do meu corpo enforcado

Às lágrimas que chorei,

Do vento,

Da solidão

E de todo o sofrimento…

E de todo o pão.

À chuva miudinha de Luanda,

 

Aos cheiros do amanhecer,

À fogueira…

Às espingardas sem coração.

Ao samba,

Ao prazer,

Ao uísque a bebedeira

Quando a noite parece esquecer,

Quando a noite parece morrer…

E o poeta dos beijos ensonados

Acredita em versos de dizer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/05/2022