sábado, 16 de março de 2019

Tudo o que há em ti


Tudo o que há em ti, meu amor,

São sílabas envenenadas,

Nos lábios cansados,

Do poeta.

 

Tudo o que há em ti, meu amor,

São amêndoas em flor,

Nas mãos da madrugada…

São palavras inventadas,

Poemas revoltados…

 

Do poeta.

 

Tudo o que há em ti, meu amor.

 

Do poeta,

Os livros engasgados no teu ventre,

O poema abraçado aos teus seios, como uma caravela,

Esquecida no mar,

 

À deriva.

 

Tudo o que há em ti, meu amor,

Os pássaros que brincam no teu cabelo,

Olhando a calçada,

Quando desce a noite na pele cinzenta das árvores queimadas,

 

Tudo, meu amor.

 

Tudo se cansa em mim,

Como pedras ensanguentadas,

Os comprimidos do sonho,

A injecção da esperança,

E tu, meu amor,

 

Nesta amaldiçoada canção.

 

Tudo o que há em ti, meu amor,

A manhã em pequenas quadriculas de tecido,

A agulha, o dedal…

Junto ao mar.

 

Tudo o que há em ti, meu amor.

 

O desejo da paixão,

Num corpo apaixonado,

 

Tudo, meu amor,

Da janela desventrada,

O silêncio dos livros queimados,

Na tua ausência…

Do poeta,

 

Tudo, tudo o que há em ti, meu amor!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/03/2019

sexta-feira, 15 de março de 2019

A navalha do silêncio


A navalha com que assassinaste os meus límpidos lábios,

É a mesma com que acaricio as veias das palavras,

Um narciso, chora,

E, cresce a tarde na tua boca.

O peso do corpo na balança da solidão,

Regressa a morte,

E, levantam-se do chão calcinado, as andorinhas em flor.

Um narciso, chora.

O meu jardim está de luto,

Morreram todos os meus livros, todos.

Meu grande amigo, amanhã, Sábado, a navalha da solidão vai alicerçar-se no meu peito,

Sinto os cigarros que me assombram ao cair da noite,

E vou morrer…

 

A água da paixão, no tanque da saudade.

 

Deixa as árvores voarem sobre a aldeia,

Como pássaros em cio,

Vadios,

Em liberdade.

 

Nunca me ouves.

Nunca me abraçaste como abraças o meu silêncio,

Uma carta fica suspensa na mão do carteiro; Amas-me?

Não.

Claro que não.

 

O amor é uma merda.

 

Como eu,

E, as palavras minhas,

Poucas e apaixonadas,

Procuram, embriagadas,

As noites cansadas…

 

Como eu,

 

No amor teu.

 

Só.

Só.

 

E sinto o mar dentro de mim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/03/2019

quinta-feira, 14 de março de 2019

Eterno chão


Tem uma caneta na mão,

Desenha na sombra da tarde o cansaço da solidão,

Como na despedida,

Ouvindo a canção…

Que o silêncio alimenta,

E tece,

Sobre o chão.

Hoje, não me apetece,

Escrever,

Comer,

Ler.

E senta,

E deita-se na cama sem colchão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/03/2019