quarta-feira, 24 de junho de 2015

Fotografia – Lisboa - 1988


Só desisto depois do fim,

Não acredito que amanhã nascerá o Sol,

Nem sei se o Sol que me absorve,

Existe,

Ou é apena uma imagem entranhada no meu corpo,

Ignoro a bagagem,

E as árvores do teu jardim,

Sentávamo-nos junto a um rio recheado de paixão,

Entrelaçávamos as mãos como se fossem finíssimos fios de arame

Esquecidos na geada,

Há nossa volta…

Nada,

Apenas éramos mergulhados na forçada noite

Sem tempo para brincarmos no olhar emagrecido da solidão,

Vestia-me de barco,

Vestias-te de marinheiro,

E dançávamos até que um relógio de pulso cessava as palpitações da madrugada,

Nunca tínhamos fome,

Sede,

Nem uma Lisboa com rochedos em papel,

Ouvia-te,

Sentia-te,

Nada,

Há nossa volta…

Alguns minutos em desassossego,

Perdia a voz,

Perdias os lábios na minha boca…

(E amanhã,

Não sei se nascerá o Sol),

E nada,

Nada no livro que poisava na tua mão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 24 de Junho de 2015

Entre poemas e poemas de ninguém


Não tenho pressa de voar nos teus olhos,

Meu amor,

Sei que nas tuas lágrimas existem diamantes invisíveis,

Um silêncio de noite

Cobre a tua pele,

Não tinha tempo para o amor,

Amar,

Ser amado,

Escrever no teu corpo os meus frágeis dedos,

Amo-te,

Amo-te sem perceber porque amo a noite,

Amo-te sem perceber porque hoje é noite,

Construída num quadrado de vidro,

Hoje ouvi os primeiros dos últimos sussurros dos pássaros daquele jardim envenenado,

Não sei, meu amor, escrevo-te sem saber se existes nesta Galáxia de alegria,

Amar,

Ser amado,

Amo-te sem perceber as palavras do teu corpo,

O poema,

A paixão,

A caricia das tuas mãos escondidas num caixote de sonhos,

Os desenhos, também eles te amam,

Meu amor,

Os barcos,

Os livros,

Cobrem a tua pele…

Sentado em ti,

Embrulhado nos teus beijos,

E mesmo assim,

Não quero regressar a uma Lisboa iluminada por Cacilheiros

E soldados de papel,

Ouvíamos os comboios em direcção a Cascais,

Belém brincava nos nossos braços,

E havia sempre uma esplanada para aportarmos,

Éramos âncoras de luz

Olhando as geométricas quadrículas do sexo,

Gemias,

Meu amor,

Entre poemas e poemas de ninguém,

Éramos odiados pelas serpentes dos eléctricos,

E pelos insectos da madrugada,

Fumávamos todos as estrelas,

Ignorávamos todas as pontes

E todos os abutres de aço,

Felizes eles,

E elas,

E eles,

Meu amor,

Fugíamos das noites com cortinados de desejo,

Tínhamos na nossa cama a solidão,

Os barcos de há pouco recordados,

Os acentos acorrentados à maré inseminada pelo pôr-do-sol.

Não o quero,

Meu amor,

Não o quero no meu corpo,

Na minha alma,

E nas minhas raízes…

Só elas conseguem aprisionar-me ao amanhecer,

E só tu consegues libertar-me desta cidade a arder…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 24 de Junho de 2015

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Amanhecer


A paixão do homem

No homem camuflado,

Salto os muros da infância,

Perco-me nas arcadas dos alicerces cinzentos,

Sei que hoje o meu destino,

É saltar,

Voar sobre os fios de seda dos teus lábios,

Tenho beijos na palma da mão,

Sou um clandestino silêncio à procura do amanhecer,

Palpita no meu peito

O cansaço dos sonhos adormecidos num qualquer Oceano,

Aqui,

Não sou ninguém,

Pareço as ruínas de um edifício de ossos,

O pó poisa nos meus ombros em cartolina solitária,

Como um lápis de carvão,

Deitado na eira…

Os dedos enterrados no chocolate teu corpo,

Os comboios imaginários entranhados nas tuas coxas de marfim,

A paixão do homem…

No homem…

O camuflado cinzeiro das noites sem dormir,

No homem,

O homem,

Sempre na esperança de partir…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 22 de Junho de 2015