sábado, 7 de março de 2015

Percebi porque o mar me abraçava, vinte e duas noites nos teus braços
E?
O cansaço da aldeia regressando ao passado, velhas casas em novas casas, eiras, espigueiros mergulhados na límpida manhã de verniz, este corpo, este corpo avizinhando solidão, peste, e
E?
Nos teus abraços, o meu nome, a minha identificação e morada
Amanhã quero-te,
Dizias-me em cintilações palavras que era preferível a separação,
Separamos-nos então...
E morada, sem número de polícia, sem-abrigo alvorada, saía do bar, desenhavas círculos na calçada, e
Amanhã quero-te,
E meia dúzia de bugigangas,
Não pagamos,
E?
E... algumas chávenas em pura porcelana, made in ex Congo Belga, na fotografia, ele sentado na esplanada do desassossego, gel na cabeça, sapato pontiagudo... e calças estreitas junto aos tornozelos, e
E?
Bugigangas baratas, tinham nas palavras as janelas do sexo, a aventura, uma noite
Stop,
Roça-se-lhe no corpo, e este
E?
Baloiçando no capim...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Março de 2015

As imagens prateadas do silêncio


Deitavas a cabeça na minha algibeira
e imaginavas-me um tumultuoso Oceano de cinza
abrias os olhos
e brincavas nos meus lábios
havia dentro de nós um vulcão adormecido
talvez doente...
ou... ou louco
como as imagens prateadas do silêncio
ardias
parecias a fugitiva clandestina das palavras embriagadas
e os outros
e as outras

ou... ou louco
e loucas
as bocas
dos triciclos de sombra
caminhávamos num sótão com janelas para o mar
os barcos
e as gaivotas
revoltados
revoltadas
em pequenas pálpebras de areia
os triângulos do orgasmo
abandonados numa cama húmida

imunda
desfeita em cacos
e gotículas de sangue...
a cidade
os pássaros em granito
gritando
uivando
como carnívoros corações de cor
amanhã
a cidade
sobre a minha algibeira...
um sorriso

e em cada amanhecer o toque da campainha
saltar a janela
e descer
até à ruela sem saída
um sorriso
uma aldeia vagueando nos meus abraços
como serpentes de iodo
vomitando poemas no meu peito
rangias
uivavas...
e querias-me
acorrentado aos teus desejados sonhos vestidos de adeus...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Março de 2015

As mãos de um sábado...


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


habito dentro deste livro inacabado
existo porque gritam as palavras
e os sonhos amargurados
não tenho tempo para olhar o mar
nem percebo o cheiro deste rio envenenado pelo silêncio
um cigarro
mal-educado
apagado
sessenta anos encurralado nestes socalcos sem nome
habito
dentro
do livro inacabado...

os tristes sorrisos das lanternas da solidão
vendo-me
vende-se
tudo
nada
coisas estranhas
esta calçada
viva
vivo
apagado
não tenho
o tempo

nem a vida
de marinheiro
sou um barco enferrujado
sou o aço triturado pelas mãos de um sábado...
apenas
outras coisas
como as simples janelas de uma prisão
prisão
a prisão
do meu falar...
habito
habitar no teu peito de livro encalhado.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Março de 2015