quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Sós


Orvalhara o feldspato frio do meu peito,
Inventaste a manhã para me obrigar a acordar,
Roubaste-me os sonhos que embrulhavam a noite de carvão…
Semeaste nos meus braços o desejo,
Plantaste em mim a flor proibida,
Plantaste em mim o jardim dos beijos,


Escreveste nos meus cabelos “amo-te”…
Quando do açafrão o amarelo amanhecer penetra o meu olhar,
Sinto as minhas pálpebras de papel voarem em direcção ao mar,
Sós…
Como se elas fossem o feldspato frio que se acorrenta ao meu peito,
E sei que me olhas enquanto escrevo,


Roubaste-me todas as canetas de tinta permanente que habitavam em mim,
Escondeste os livros e as sebentas do meu cansaço,
Guardas dentro de ti a chave do meu coração…
E apenas me deixaste os cachimbos adormecidos que a madeira apodrecerá,
Sem que uma fina lágrima se agarre ao espelho das tuas coxas,
Sós…!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 27 de Agosto de 2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Geometria nocturna do prazer


Habita em nós uma jangada de silêncio,
permanecemos imóveis sobre as asas do vento,
pertencemos às rectas paralelas que se abraçam no infinito...
e se amam,
e se beijam,
somos a geometria nocturna do prazer,
às vezes só a cidade existe entre os nossos corpos,
às vezes... às vezes eles tocam-se e uivam sorrisos de neblina,
habita em nós a preguiça de acordar,
dizem-nos que lá fora chove, dizem-nos... dizem-nos que somos dois pássaros vadios,
em cio,
como este rio que nos engole,

Habitam em nós os tentáculos de silício com lábios de gelo,
procuramos o esconderijo de amar,
e ninguém...
e ninguém sabe o significado de “sílaba tonta”...

Escrever em ti,
como se deixasses de pertencer à jangada de silêncio...
e se amam,
e se beijam,
os nossos corpos argamassados pelo desejo,
viver...,
e se amam,
e se beijam...
os poemas esculpidos nos teus seios,
habitam em nós os moliceiros,
e um marinheiro nos guia até à eternidade...
e nos engana, e nos absorve... como se fossemos duas estrelas de suor...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 26 de Agosto de 2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Noite envergonhada


Lapido-te,
Do barro crescem os teus seios de amanhecer,
Doces,
Baloiçando nas arcadas do Poente,
Transformo-te em ponte,
Pinto-te de esplanada junto ao Rio…
Lapido-te,
E entranho-me no barro teu corpo,
Viajo,
Como um velejador solitário,
Tu…
E eu…


Lapido-te,
Sabendo que lá fora há fome,
Miséria…
Guerras…
Mas… mas lapido-te como se fosses um diamante raro,
Inacessível,
Como as palavras que te penetram enquanto dormes…
Lapidando-te… lapidando-te sem o sentires,
Como a película do teu púbis mergulhada em sias de prata,
Ténue caravela dançando nos meus braços,
Lapidando-te,
Nas asas da noite envergonhada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 25 de Agosto de 2014