terça-feira, 5 de novembro de 2013

a tua falta em mim

foto de: A&M ART and Photos

imagino-te sentado sobre a minha mão
e sinto as tuas adormecidas palavras nos meus olhos verdejantes
oiço-te sussurrar-me as migalhas ínfimas dos desejos prometidos
como se o meu corpo ainda existisse para ti
a tua falta em mim
parece um transatlântico paquete vergado pela vadia arquitectura do sono
imagino-te em sombras de espuma
como um sonâmbulo esqueleto procurando fotografias de ontem
imagino-te sentado sobre os meus seios de pálpebra encalhada nos rochedos das lágrimas
vejo o cascalho cintilante da insónia dor nos clandestinos orvalhos
e tu voas sobre os cinzentos veleiros com asas de papel
submersos no cansaço da madrugada

sinto a tua falta
e percebo que nunca mais terei os teus beijos
e as tuas acariciadas mãos de andorinha sideral
imagino-te dentro de um espelho esperando a minha mão
e o cheiro do meu corpo...
serei eu a tua fechadura a onde te acorrentaste quando das tempestades de areia?
sinto
sinto a tua falta quando as manhãs se tornam enormes
quando os beijos ficam inacessíveis
e os pássaros loucos como as tuas palavras nas montras da cidade
imagino-te
imagino-te sentado em mim

esperando a abertura da janela da semana passada
imagino-te impregnado no livro de mármore em lápides de paixão
oiço-te
e quero-te
como te quis
como te ouvia
sentado em mim
semeando lenços de seda sobre os socalcos adormecidos do xisto pergaminho
imagino-te em mim
quando tu pertences aos Deuses andaimes das saudades invisíveis
amar-te-ei eternamente como acontece com as lâmpadas nocturnas do sexo?
despeço-me de ti... imagino-me em ti perdidamente só como uma lagarta solitária


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 5 de Novembro de 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

as volúpias pálpebras da sanzala encarnada

foto de: A&M ART and Photos

sentíamos as toupeiras dos milhafres romperem as lágrimas tuas
das pequenas aldeias em flor
sentíamos os rios e riachos e ribeiras e ribeiros e o mar
o mar amar vagueando no peito de quem não dorme
sentíamos os telhados vergarem ao peso da claridade
e dos relógios envergonhados
sentíamos a escuridão da escravidão
debaixo das mesas do café com esplanadas entrelaçadas
havia abraços de palha
e mãos de hortaliça
tínhamos beijos na algibeira
e fumávamos livros de poesia

sentíamos os carros vagabundos trilharem a cidade dos Oceanos
víamos os barcos encalhados no silêncio da paixão
sabíamos que os candeeiros eram fictícios
e invisíveis como sempre o foram as volúpias pálpebras da sanzala encarnada
sentíamos o sangue cortejar os telhados em zinco
corredores da morte transformados em lojas de luxo
roupas angustiosas em corpos apodrecidos
mortos
sem sentido
e sentíamos o cacimbo mergulhar nos ossos da madrugada
rompiam as sombras com janelas de cristais de iodo...
e uma bala tracejante vomitava ais e uis junto a um charco de alegria


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Novembro de 2013

palavras semeadas numa tarde de Outono

foto de: A&M ART and Photos

permaneço intocável como uma folha caduca
como palavras semeadas numa tarde de Outono
ao abandono
voando entre as campânulas preguiçosas das Primaveras adormecidas
sou uma mulher invisível dentro de um corpo convalescente
emagrecido
dorido
sofrido
sou uma mulher cansada de chorar
alegre por amar
e não perceber todos os nomes dos jardins do meu País...
sou uma mulher em desejo

(acorrentada à varanda do medo
fumo cigarros vegetarianos e sonho com papagaios de papel)

sou uma mulher em desejo
prisioneira da saudade
sou feliz
sou alegre
sou uma gaivota poisada na ponte da eternidade
sou a madrugada em flor
permaneço intocável
e sofro
e morro
e choro... nas lágrimas da chuva como barcos de esferovite
molhados
os meu lábios

(e húmida
a minha doirada boca)

sou uma mulher mergulhada na melancolia
sou feita em pedaços de vidro
tenho laços de cetim em volta do meu pescoço
sou uma mulher de aço
alicerçada ao mês de Agosto
sou bela e moça bonita
sou linda e mulher donzela
sou filha das flores do amanhecer
e húmida
a minha doirada boca...
alimenta-se das vozes esquecidas
nas árvores mendigas das tuas mãos de gafanhoto


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Novembro de 2013