sábado, 3 de agosto de 2013

Empastelados corações ofegantes como canções de amar

foto de: A&M ART and Photos

Um corpo de açúcar que se derrete com a luminosidade das palavras, um corpo de estrelas voando sobre a Primavera das gaivotas cansadas, um corpo, belo, esbelto, poético, um corpo de açúcar com um olhar nocturno caminhando junto ao cais das esmeraldas adormecidas, um corpo em açúcar, desejando ancorar às amarras do silêncio...
Saboreavas as amêndoas escritas no chocolate da manhã, lias os poemas inventados e que em pedacinhos de sombreados papeis, apareciam no teu café, mexia-lo, e com a colher de prata, retiravas-los, e colocavas-los na borda do pires com floreados tristes, tristes, tão tristes, como as lâmpadas das árvores sem rosto, quando o olhar se esconde dentro do xisto, galgando socalcos, até caírem no rio,
Trazias contigo um lápis de espuma com que escrevias no teu corpo de açúcar as bolas de sabão que uma alegre criança lançava no vento de pétalas amarelas, brincavas nos olhos das gaivotas cansadas, gritavas sonoros gemidos de sílabas perdidas sobre a mesa-de-cabeceira onde poisava um livro com muitas folhas, sem palavras, muitas folhas desprovidas de vida, sem desenhos, sem gemidos, sem uivos, um livro como o teu corpo de açúcar, por vezes... recheado de incenso, por vezes triste, triste como os floreados teus seios, como tristes, triste as tuas mãos saboreando as uvas embalsamadas pela sombra do Douro, curvilíneo o teu desejo, em pequenos círculos de oiro, ias inventando o prazer da leitura, construías abraços com pequenas lágrimas das velhas videiras, adormecidas, embebidas no suor do teu corpo
De açúcar?
Empastelados corações ofegantes como canções de amar, sítios dispersos, algibeiras envenenadas pelos míseros cêntimos de um dia de trabalho,
Açúcar?
De, pensava eu,
Mas veio o vento, levou-te, misturou-te com a água que batia nas vidraças de pano, cortinados de papel chorando a tua partida, o espelho, esse, deixou de redesenhar o teu corpo em açúcar, e como uma criança, subiste as escadas do castelo de areia, onde habitas e te escondes, e vives... como uma
Não
Como uma pequena esfera do tamanho de uma cereja, os teus lábios saciavam-se com os fluidos das abelhas com asas de borboleta, e diziam-se na tua rua
Ela, tão bela, e de açúcar,
E de areia, onde habitas, no teu castelo junto às rochas dos petroleiros..., e, e ela, tão bela, e de açúcar, ela.

(Não Revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Fervíamos como líquidos amargos...

foto de: A&M ART and Photos

Fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros, outros caminhando sobre as gaivotas floridas das noites embriagadas, havíamos combinado não falarmos mais nesta horrível despedida, levantarmos âncoras, recolhendo corrente, motores a diesel a trabalhar, e aos poucos, outros, o rebocador deslizava suavemente sobre a tua pele de seda, começávamos a perder de vista os edifícios alicerçados às tuas coxas rochosas, e aos poucos, os teus mamilos começavam a entrar no esconderijo junto à sanzala da saudade, entrávamos, e no pavimento térreo uma colcha de palha onde nos deitávamos, onde dormíamos, comecei a deixar de ver-te, comecei a escrever no zinco teus cabelos, porque o vento tinha zarpado, outras, outros
Fervíamos,
Outros espiavam-nos juntos às bananeiras com quatro cadeiras e um círculo de sombra, fervíamos um no outro, e outros, e outras, aos poucos apenas o silêncio do teu corpo fervilhando entre os meus dedos, outros, e outras, aos poucos o teu púbis vulcânico descia a montanha do Adeus, e cada vez mais longe
Fervilhando,
Fervíamos,
Deixávamos os meninos em volta de pequenas poças de água, tinha chovido, a terra cheirava a fogo, e o céu começava a clarear como acontecia com as janelas da velha barcaça que nos levava até ao paradisíaco Mussulo, eu, eu amava-o, e tu, tu apenas encolhias as pernas, e sobre ti um lenço de desejo te absorvia, flutuavas como uma abelha dentro da cubata, rodavas em pequenos círculos trigonométricos, e dos teus lábios um líquido amargo com sorriso de cosseno desenhava-te na face esquerda uma parábola, a equação descia-te até enrolar-se nos teus tornozelos de areia branca, palmeiras e outros, e outras
Fervilhando,
Fervíamos,
E outras melodias esperavam no cais pelo desejado embarque, deixei-te para nunca mais poisar-me sobre ti, voando, eu, eu ainda tentei..., mas caí sobre o Oceano, mergulhei acreditando encontrar-te lá muito no fundo, mas
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
O pôr-do-sol era triste, fervilhavas nos meus longos dedos, e os teus gemidos alimentavam todo o espaço vazio da cubata, não tínhamos sequer onde poisar uma gotícula de sémen, não tínhamos sequer onde deixar suspenso na madeira misturada com zinco o crucifixo que tínhamos trazido do outro lado da cidade, antes de partirmos, antes de te deixar sobre o cais..., e quando percebi
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
Percebi que tinhas desaparecido entre o cacimbo e a saudade, percebi que tinhas zarpado como a nossa velha barcaça, procurei por ti, inventei desculpas, cheguei a descer às profundezas do Tejo, entrei em Cais do Sodré, bebi, embriaguei-me, dancei sobre mesas e cadeiras, cambaleei até Belém, atravessei os carris e sentei-me junto ao rio..., fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros sem vida, e nada, e ninguém, nem sequer um simples peixe... para me informar do teu paradeiro, percebi que a nossa cubata tinha ardido, anos mais tarde, percebi que o teu corpo tinha crescido, mudado de forma, percebi que estávamos velhos, como o espelho da casa de banho, quando hoje me olha e diz-me
Fervilhando,
Fervíamos,
E eu, eu... no cais pelo desejado embarque...

(Ficção – Não Revisto)
@Francisco Luís Fontinha