sábado, 13 de abril de 2013

A Querida Rainha

foto: A&M ART and Photos

Sob o tecto da tua vaidade, porque te mata esse odor a rosas de argamassa recheada com melodias de pássaros, os melros da manhã quando se despedem e assobiam publicamente como cartazes de vozes inseguras e medrosas, abaixo, dizem eles, as árvores apodrecidas e com sabor a riqueza, obviamente estamos a falar dos morcegos que em plena noite visitam os cadáveres vivos que em casas de cartão esperam pela chegada do sangue, milimetricamente, ouvem-se-lhes o tilintar de dentes e queixadas cobertas de aço e trabalhadas como o rebelde marfim, estátuas, palhaços, veados e os malditos pássaros, são as manhãs de um desempregado
(publicamente demito-me das funções de desempregado, o drogado e o embriagado, o doente e o senhor lá ao fundo da sala – Eu? - sim, o senhor que se queixa do dente superior esquerdo, terceiro andar, número vinte e três, da rua dos arrozais, vivos, comem os pardais e a liberdade como antes de existirem a insónia e a solidão, tínhamos as drageias de pedra com pequenas rugas de sabor a limão, perfume havia em ti como os relógios do pulso do senhor – Eu? - sim, o senhor, o deleitado senhor das orelhas moucas, dos olhos ensanguentados e brilhante, como faróis nocturnos depois de partir a tempestade)
São as manhãs de um coitado,
(das orelhas em flor, com a boca entreaberta, persianas descaídas um pouca à direita, e finíssimos pontos de luz entravam e sentavam-se na cadeira junto ao esófago, e chegar ao estômago era um instante quase mínimo, e quando lhe perguntávamos – O senhor fuma? - respondia-nos que não, - Não senhor, senhor doutor! - e continuava que já tinha fumado toda a “merda” que havia para fumar... mas devidos às circunstâncias – Quais circunstâncias, senhor António? - não responde, o arguido recusa-se a responder, e assim ia andando o dia até chegar o cortinado da noite, e a linda e bela Joana – E peço desculpa... mas tinha de encontrar um nome! - e a linda e bela Joana carregava no interruptor dos sonhos, e uma máquina poisada sobre a cristaleira começa a vomitar sons melódicos, e conseguia misturar sons musicais com palavras travestidos de poema...)
A Querida Rainha,
Oiço-os dentro da máquina com feições de caixa e qualquer coisa com perfume a Planeta 3, e encostas a cabeça ao cadeirão e quando me apercebo, não estás entre mim, algures voaste, como as poucas palavras que trocaste comigo, Rainha, minha Eterna Rainha,
(meu amado senhor)
Que dizeis vós do meu destino?
(amar, desamado, não amando, abandonado, sonhando, não sonhado, amar, amar os veleiros com rosa purpura no peito das esquinas da cidade do sofrimento, lento, minto, quando de dentro, do corpo, o alimento, e o fermento das raízes que seguram os edifícios à terra laminada, fatiada, como o queijo e a marmelada, sem o sossego do vento, invento coisas, coisas e coisas que tu, que eu, nunca soubemos quem eram. és, tu, sou eu, e não encontro as palavras certas para te definir, nunca percebi se era uma equação matemática, nunca percebi se eras um poema ou um texto, ou ambos, ambas, disfarçados e disfarçadas, de Primavera, sonâmbulas manhãs sem madrugada, amar, desamado, empregado,desempregado, filho, filha, enteado, e no entanto, estou aqui, agora, sentado...)
“Sob o tecto da tua vaidade, porque te mata esse odor a rosas de argamassa recheada com melodias de pássaros, os melros da manhã quando se despedem e assobiam publicamente como cartazes de vozes inseguras e medrosas, abaixo, dizem eles, as árvores apodrecidas e com sabor a riqueza, obviamente estamos a falar dos morcegos que em plena noite visitam os cadáveres vivos que em casas de cartão esperam pela chegada do sangue, milimetricamente” - Olá, eu sou a Joana! - e mesmo não sabendo, desconhecendo, dizendo, digo-o, o prazer é todo meu, Menina Joana, que como já tive a oportunidade de salientar..., precisava de um nome, uma morada, uma rua e de um número, se possível, par, e tive o azar de escolher um número ímpar, envelhecido, e um nome que de lindo ser, ninguém conheço com esse apelido, digamos, tenho intimidade suficiente para dizer e escrever que
(sinto muito, Minha adorada Rainha – Não, não conheço ninguém que se apelide de Joana – e quando me perco nas ruas, pergunto-me na passagem pelas coisas e objectos estranhos – Proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço... - e não entrei, e recusei-me a admitir que existia uma íntima probabilidade de a primeira mulher com quem me cruzava na rua se chamar Joana)
Que aqui o Zé ninguém, não conhece, nunca conheceu, nenhuma Joana – E é tudo? - SIM, MINHA ADORADA RAINHA, É TUDO.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Barcos de Brincar

foto: A&M ART and Photos
É quase meia-noite em ti
e as luzes de murmúrio da tua pele ao silêncio
fundem-se e mergulham como manchas de óleo nas mãos do homem apaixonado
que Deus enviou para te proteger
e amar,

Dizes-me que és o mar
e que és a dona de todos os sorrisos
e marés
como se eu acreditasse que as nuvens sobre o teu cabelo
fossem pequenas palavras sem significado,

Textos indefinidos dentro da sombra da melancolia
personagens embrulhadas no medo da noite
quando abres a janela do destino
e lá fora
chovem as migalhas de suor que o bronze se alicerçou em ti,

Ontem sabia que eras tu
que procuravas as saliências dos pinheiros cobertos pelas andorinhas
que a Primavera transporta até ao adro da Igreja
e mesmo assim ouvia-te gemer entre os pilares de areia
que sustentavam os lábios das rosas brancas,

(havia entre nós um jardim tardíssimo nos horários clandestinos)

Havia um cheiro estranho como se fossem palavras mortas
ou papel em decomposição
e quase meia-noite depois pergunto-me
se a tua pele de silêncio entre madrugadas e candeias de solidão... adormeceu ou simplesmente desapareceu entre as mandíbulas do tempo sem barcos de brincar...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Barcos de Brincar