quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Grades de vidro inverno o sabor da paixão


Inventas beijos
nos lençóis da lua
há cigarros perfeitamente inocentes
nos lábios da noite,

há uma janela com grandes de vidro
que transforma o fumo dos teus cigarros perfeitamente inocentes
em sílabas de iodo
inventas beijos
desejos
abraços
e a lua tão bela
e a lua
enrolada nos teus braços
nua
ela
toda tua,

inventas o amor
e desenhas no soalho de inverno o sabor da paixão
ela
nua
à lareira
há uma lareira na tua mão
que aquece a lua
a tua lua
o teu coração
havia
nua
uma janela com grades de vidro e sonhos de solidão.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

As veias que não tenho medo de quê?


As veias que não tenho
porque vendi-as para comer
as mãos que me tremem
porque também as vendi
não para comer
apenas porque senti
vontade
desejo
de deixar de escrever
morrer caminhando suavemente sobre a neve invisível
que desce a montanha
as veias que não tenho
e que ninguém amanha
estas palavras poucas
ou loucas
bocas em revolta
que este povo apanha
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
revolta-te se ainda tens veias
revolta-te se ainda não vendeste as tuas veias
para comer
para escrever
ou simplesmente para amar
mas revolta-te por favor
revolta-te homem do mar...
medo de quê?
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
não há medo que adormeça um homem
não há palavras que acorrentem os braços do homem
que não se deixa adormecer
pelo medo
pela fome
medo de quê?
revolta-te homem.

(não revisto)


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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Segunda-feira

A calçada de ossos levava-a até ao rio dos silêncios, virgulas suspensas nos parágrafos incompletos que a vida vai escrevendo nas folhas verdes das árvores, os pássaros dentro da gaiola inventavam círculos de luz até cair a noite nos olivais distantes da cidade, a calçada de ossos

perdidamente apaixonado pelos sonhos coloridos que o vizinho do segundo esquerdo, segunda-feira, que tu desenhavas nos vidros embaciados das janelas anguiformes do húmido edifício, o suor dilúvio que a tarde provocava no peito da paixão deitava-se na cama cansada que o teu corpo habitava, eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

a calçada de ossos, até ao rio dos silêncios, há na morgue literária cadáveres de prostitutas que os poemas comeram antes de serem poemas, quando os poemas não eram poemas, quando os poemas de inverno chamavam-se desejo das palavras, e ele, o poeta, o homem do segundo esquerdo construía, uma por uma, as frases insignificantes de homens que amam as árvores, de homens que amam loucamente os pássaros e os rios e os barcos, de homens, apaixonados pelo vento, verdes árvores e havia sempre uma janela indesejada, aberta, partida, abandonada, e homens que amavam outros homens na clandestinidade dos cacilheiros verdejantes, e afagavam o louco perfume dos sótãos com grandes finíssimas que as aranhas do medo deixavam enrolas nos lençóis do ciúme, e homens como eu que amavam mulheres impossíveis, e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

à espera da tua mão, tocavas-me e eu sentia os princípios elementares da mecânica clássica, pedacinhos de saliva nas equações complexas que nas tuas pálpebras acordavam depois da tarde se esconder no dormitório vazio do edifício semeado segunda-feira na cidade sem que tu, meu poeta, tenhas dado por ele, e ele vivo, lá, lá do outro lado da rua, rouba-nos o sol e o rio, tocavas-me e eu recusava-me a comer a sopa, perdia nos jardins as mãos e dizia-te O menino hoje não mãos, e tu acreditavas, e me olhavas até que o mar começava a correr nos teus olhos e eu sabia que choravas antes dos pássaros às voltas com os círculos de luz, habitava em nós a abelha abandonada, pedias-me e eu dizia-te Hoje não, Hoje não mãos, e a sopa diluía-se como as nuvens cinzentas do mar do amor,

segunda-feira

segundo esquerdo,

segunda-feira morre a paixão e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras.

(ficção não revisto)

Palavras de amar na maré tua língua


Sento-me sobre as águas ínfimas da noite quando sinto em mim
as luzes em pequenas doses de azul marinho
das conchas coxas transversais da madrugada
a tua voz silenciada pelas sombras tuas mãos
em mim
no meu pescoço alicerçadas,

guardo-os como se fossem só meus
os lábios vermelhos teus
às quatro paredes de vidro
que os sonhos desenham no livro das palavras
sento-me
sinto-me palidamente solitário junto às esquinas fictícias da morte,

às quatro horas do limite infinito alicate do amor
flores belas embebidas na vodka falsidade
que vivem na cidade translúcida e em pequenos vãos voos dos teus seios de vento
vive-se e vai-se vivendo inventando coisas
poucas coisas
que o homem descobre nas estrelas nuas entre os parêntesis da insónia,

sento-me
e sinto-me
e mergulho nas rochas melancólicas que na tua boca habitam
as gaivotas filhas dos barcos
e netas da revolta
Ai se a maré tua língua fosse só minha como são as palavras de amar...

(poema não revisto)