terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sinto-me encornado literalmente. O fim do mundo já não vai ser dia 21 de Dezembro mas sim a 23 de Dezembro; e agora?
Eu preparei-me convenientemente, aluguei uma cabana no alto de uma montanha, com lareira, e clarabóia para não perder nada do então fim do mundo, e agora que não, já não vai terminar dia 21 e com um pouco de azar nem a 23 de Dezembro, e azar dos azares nem durante o ano de 2013, o que quererá dizer que vamos todos ter que levar com o OE para 2013 e mais as devidas enrabadelas que possam acontecer-nos por parte dos nossos governantes.
E eu que já tinha coisas marcadas para o dia 23 de Dezembro, lamento, mas dias 23 não posso ir...
E agora?
Estes senhores não conseguem acertar uma data? Até parecem, sem ofensa, os catedráticos que elaboraram o OE para 2013 que possivelmente não vão acertar nenhuma das previsões...
Se o mundo tivesse fim, Ai que eu gostava que fosse a 23 de Janeiro.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

para a menina dos sorrisos com lábios poéticos

“para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e queixava-se por tudo e por nada, faltava-lhe sempre alguma coisa

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

se tinha a prata de alumínio, faltava-lhe a heroína, tinha o dinheiro e faltava-lhe a prata de alumínio e a heroína, pior, tinha tudo e o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos e as sandálias que trouxera de Luanda, no recreio da escola escondia-se aos olhos do pinheiro manso inventando pinhões e vidros partidos, os calções sentiam a geada doce da Primavera, tremia de frio, enroscava-se nos abraços desertos que ouvia das palavras moribundas, das palavras sujas, das palavras imundas,

- e a palavra amo-te acabadinha de suicidar-se na rua Augusta, Tens a certeza miúdo?

sim pai, eu vi-a suspensa da janela do terceiro andar, estava roxa, estava incrédula, e o vento roçava-se nela e nele, quando o paragrafo inteiro, também ele suspenso na janela, putrefacto no esqueleto da literatura solitária que as noites de inverno constroem nas lareiras do sono, perguntava-me a que cheirava o cadáver de um simples paragrafo que quase nunca tive porque me faltaram sempre coisas, tinha a cratera do vulcão e faltava-lhe o divino magma, tinha tudo e

- os calções sentiam a geada doce da Primavera, o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos

palavras que nunca tiveste coragem de escrever no meu secreto diário, palavras de merda, palavras como a palavra amo-te depois de suicidada, coitada dela, da palavra amada, inventada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, ninguém, Tens a certeza miúdo? invejada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, e eu não sabia que dos beijos nascem poemas,

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

cruzava os braços, flectia os joelhos até me sumir nos xistos emagrecidos que as tardes de Abril gostavam de escrever nos vidros das janelas dos barcos,

- “para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e

o que são poemas, pai? Tens a certeza que viste a palavra amo-te suspensa na janela do prédio da rua Augusta? Sim, Pai, Tenho a certeza, roxa, silenciosa, imunda, suja, ah ah ah... poemas são palavras que se suicidam nos prédios com escadas até aos sótãos virados para o Tejo, sentavas-te e olhavas as longínquas manhãs inocentes depois das viagem até ao abismo, e tinhas inventado o ciúme,

- e os vómitos dilaceravam-me dentro das placas de gesso da pensão ALZIRA, mulher de boas famílias, culta, poetisa, e às vezes escrevias nas costas azuladas das portas da casa de banho as histórias sagradas, belas, poeticamente difíceis de esquecer, e eu, eu descia as escadas e quando pisava pela milésima vez os pesadíssimos paralelepípedo da insónia,

já não conseguia lembrar-me das palavras da tia Alzira,

-e tinha pena dela,

quando as pálpebras do poema sobre a madeira imunda, espessa, onde em pedaços de papel subtraído a uma velhíssima lista telefónica, ela, coitada dela, assentava os números invisíveis dos bilhetes de identidade, também eles, tal como a palavra amo-te, acabadinhos de suicidarem-se nos jardins de Belém,

- e tinhas inventado o ciúme,

e tinhas inventado a palavra amo-te, e tinhas inventado a rua Augusta, e ainda hoje, ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam; os teus lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão.

(texto de ficção não revisto)

Vogais do amor


Abandonas-me como se eu fosse um pássaro
que de dentro de uma gaiola
ouve docemente as palavras do amor
em amar
às coisas belas que as estrelas semeiam nas mãos da Cinderela paixão
do amor
em amor
tua minha cansada noite de solidão,

abandonas-me como se eu fosse as singelas palavras
voando sobre os telhados de vidro que o desejo constrói em tua cidade
não há ruas simples e perfeitas
nos olhos envenenados pelo medo
um boneco torna-se em vida humana
quando do muro pincelado de amarelo
acorda a revolta que os teus lábios de seda
desenharam nas pedras frias da calçada,

abandonas-me
que de dentro de uma gaiola
das tardes sobejam os desassossegados braços das rectas paralelas
e no infinito
misturada com as sílabas
as vogais de açúcar
que o bolo do amor
deixou sobre a mesa.

(poema não revisto)


Em destaque no Sapo Angola
Blogue Cachimbo de Água

domingo, 2 de dezembro de 2012

Um coitado em silêncios beijos


As avenidas da solidão
que desço depois do pequeno-almoço
olho-me quando entram em mim as flores do inverno
e as tempestades que a noite putrificou dentro das esquinas complexas minhas mãos
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado
que passeia na tarde os murmúrios em ácidos cansaços beijos
ele descobre que o amor vive na escuridão das palavras
derretidas no açúcar invisível dos relógios de pulso,

silêncios beijos
os teus
sobre a impune geada das terras áridas transmontanas
a lareira morre na insónia tua boca
os desejos longínquos suspensos no tecto do prazer
prometendo números de circo
debaixo das árvores abandonadas pelas desertas esplanadas da madrugada
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado,

e não tens vergonha dos meus lábios de algodão
semeados na planície ínfima que a vida constrói
em cordões de sémen quando os vãos de escada descem às catacumbas dos sexos
magoados nas cansadas flores do inverno
as estrelas
as flores
o inferno
vêm dos distantes cais dos barcos de papel
silêncios beijos
os teus
os nossos corpos em decomposição
amam-se e desejam-se e no húmido pergaminho se transformam em poema.

(poema não revisto)